Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Enquanto o tramita lentamente no Congresso Nacional as decisões contra os empregadores, cresce o número de denúncias e resgates feitos pelo Grupo Móvel de Fiscalização do MPT

Hoje (12) é dia de luta contra o trabalho escravo e análogo ao escravo no Brasil. Depois de mais de dois anos, está na pauta da Câmara dos Deputados a votação da Proposta de Emenda à Constituição Nº438/2001, conhecida como a PEC do Trabalho Escravo, que determina o confisco das terras onde forem constatadas situações de trabalho escravo ou situações análogas a tal.

Cerca de 20 organizações e movimentos sociais realizam um Ato Nacional pelo Fim do Trabalho Escravo hoje em Brasília. Dentre as organizações estão a CPT, o MST, a Contag, Fetraf Brasil, a Via Campesina, a Agência Repórter Brasil e a Organização Internacional do Trabalho. Após o ato público no auditório Nereu Ramos, os participantes darão um abraço simbólico no Congresso Nacional, para tentar sensibilizar os parlamentares durante a votação.

Segundo informações da Agência Brasil, a proposta foi apresentada em 1999 pelo então senador Ademir de Andrade (PSB-PA) como PEC número 57. Em 2001 foi aprovada em segundo turno pelo Senado e encaminhada à Câmara como PEC 438. Em 2003 a Comissão de Constituição e Justiça emitiu um parecer favorável à aprovação da proposta. Em 2004 uma Comissão Especial para Trabalho Escravo foi criada para analisar a PEC 438/01. A comissão aprovou por unanimidade a proposta, e no mesmo ano a PEC foi aprovada em primeiro turno pela Câmara. Contudo, só agora, dois anos depois, foi que a PEC entrou novamente na pauta para votação na Câmara. Se aprovada, ela ainda precisa voltar ao Senado para uma aprovação final.

Expansão da Cana-de-açúcar e o trabalho escravo no Brasil

Só no ano de 2007, cerca de 6 mil trabalhadores rurais foram libertados após ação do Grupo Móvel de Fiscalização do Trabalho Escravo, do Ministério Público do Trabalho. Os fiscais fazem ações em usinas e fazendas por todo país para fiscalizar as condições de alojamento e segurança dos trabalhadores e trabalhadoras. Desde que o grupo iniciou seus trabalhos, em 1995, mais de 28 mil pessoas foram libertadas.

Das 6 mil pessoas que foram encontradas em 2007, mais da metade estava trabalhando nos canaviais. Segundo a Agência Repórter Brasil, que é especialista em denúncias de trabalho escravo, três dos quatro maiores resgates de trabalhadores no ano passado aconteceram nas áreas de expansão da cana-de-açúcar. O corte da cana, que já é considerado por especialistas como um dos trabalhos mais degradantes, torna-se ainda pior se averiguadas as condições em que estes trabalhadores estão submetidos e às metas diárias de cortes que eles devem cumprir. Esta situação levou a dezenas de casos de morte de trabalhadores por exaustão nos últimos anos.

Enquanto o Ministério Público do Trabalho desenvolve ações no sentido de inibir esta prática, o governo federal vem investindo esforços na política de expansão da cana-de-açúcar para produção de agrocombustível, que se mostrou um dos grandes vilões do trabalho escravo, responsável por mais de 50% das notificações só em 2007. O governo junto com os usineiros ainda pretende dobrar a área de monocultivo da cana que hoje é de 6 milhões de hectares. Desde que foi anunciada a parceria entre governo federal e produtores de cana-de-açúcar já houve o aumento no preço dos grãos, a denúncia de invasão de áreas de preservação ambiental como o cerrado e a floresta amazônica, além do já citado aumento nos números de constatação de trabalho similar ao escravo.

Bancada Ruralista X Grupo Móvel de Fiscalização do Trabalho Escravo

Diante da quantidade de denúncias e de notificações feitas pelo Grupo Móvel de Fiscalização do Trabalho Escravo, um grupo de senadores, dentre eles a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), ligada à bancada ruralista, e o senador pernambucano Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), questionou uma fiscalização realizada em junho do ano passado na Usina Pagrisa, em Ulianópolis (PA), quando 1.064 pessoas foram resgatadas. Os senadores contestaram as denúncias de trabalho escravo feitas na ocasião pelo grupo de fiscalização. O que ocasionou a paralisação dos trabalhos até que fosse garantida a segurança dos fiscais.

Em audiência pública, o coordenador do Grupo Móvel de Fiscalização, Marcelo Campos, reafirmou a situação que caracterizava trabalho análogo ao escravo na Usina Pagrisa: que eram as condições degradantes de trabalho e a servidão por dívida. As atividades do Grupo Móvel de Fiscalização foi interrompida por 23 dias, até que fosse firmado um termo de cooperação entre Ministério Público do Trabalho e Advocacia-Geral da União que garante imediata defesa do auditor, caso haja alguma intromissão indevida na atuação dos fiscais.

Segundo informações do DIAP (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), 95 parlamentares ruralistas foram eleitos para o Congresso Nacional nas últimas eleições. Nos estados a situação não é diferente, o número de parlamentares e políticos proprietários de terra, e muitas vezes latifundiários, é enorme. Dois casos de estados do Nordeste, Pernambuco e Alagoas, historicamente conhecidos pelo monocultivo da cana-de-açúcar e pela concentração de terra podem ser citados como exemplo, pois já foram notificados em 2008.

Em Pernambuco, o Engenho Vida Nova notificado no último dia 14 de fevereiro pelo Ministério Público do Trabalho por manter 40 trabalhadores em condições degradantes de trabalho, pertence ao Deputado Estadual Marco Barreto (PMN). Apesar do deputado alegar ter arrendado o Engenho – que fica localizado em Água Preta, Mata Sul do estado -, o Ministério Público do Trabalho protocolou uma representação contra ele e afirma ter documentos suficientes para instaurar um processo de quebra de decoro parlamentar. Os trabalhadores libertados afirmaram trabalhar para Barreto e, disseram ainda que, a pessoa que ele diz ter arrendado as terras é funcionário dele.

Em Alagoas a situação está ainda pior. Só nos dois primeiros meses do ano foram resgatados 650 trabalhadores em situação de trabalho análoga ao escravo. Uma das usinas notificadas, a Laginha, é de propriedade do grupo empresarial do ex-Deputado Federal João Lyra (PTB-AL), que também foi candidato a governador nas últimas eleições. Na usina do Grupo João Lyra, localizada em União dos Palmares, distante 85 km da capital Maceió, foram encontrados 53 trabalhadores sem as mínimas condições de higiene e conforto e com os Equipamentos de Proteção Individual (EPI) danificados e em número menor do que o número de trabalhadores. Segundo Marluce Melo, da Coordenação da Comissão Pastoral da Terra Regional Nordeste 2, que compreende os estados de Pernambuco, Paraíba, Alagoas e Rio Grande do Norte, “O Grupo João Lyra, tenta, ainda por cima, passar uma imagem de empresas modernas e preocupada com direitos ambientais e trabalhistas, o que não é verdade e que agora foi comprovado”.

A Usina Laginha já havia sido notificada em novembro de 2007 após um protesto realizado pelos trabalhadores que pediam melhores condições de trabalho e segurança. Na ocasião a usina assinou um Termo de Ajuste de Conduta com 20 itens, dentre eles o que se comprometia em substituir os EPIs sempre que estivessem desgastados. O descumprimento de cada item geraria uma multa de R$10 mil.

Além da Usina Laginha, a usina Santa Clotilde do grupo Oiticica e a Capricho e Sumaúma do Grupo Toledo também foram notificadas. Nestas três, o número de resgates foi ainda maior. Na Santa Clotilde foram cerca de 400 pessoas e na Capricho e Sumaúma foram encontrados mais 200 trabalhadores. O grupo Toledo, proprietário das Usinas Capricho e Sumaúma, é de uma conhecida família da região e que tem como seu representante no parlamento o Deputado Estadual Sérgio Toledo.

De acordo com informações do Ministério Publico do Trabalho as atividades do grupo móvel continuam no nordeste e devem chegar a outros estados ainda no início deste ano.

Denúncias

A Comissão Pastoral da Terra tem, dentre as suas ações prioritárias, a denúncia das situações de trabalho escravo e ou análogas em todo o Brasil. No ano passado, trabalhadores rurais produziram o vídeo “Aprisionados por Promessas: Escravidão Rural Contemporânea no Brasil”, com o apoio da CPT, do Centro Pela Justiça e o Direito Social e da ONG Witness, que fez a doação do equipamento.

O documentário, com aproximadamente 18 min pode ser visto na nossa

seção Vídeo

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