Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

O Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo, que reúne os movimentos sociais, organizações sindicais, pastorais e outras entidades de apóio à luta no campo publicou uma nota pública em repúdio a transposição do Rio São Francisco, que teve suas obras inicias no mês passado em parte do nordeste do país.

As entidades, que se reuniram em Brasília no último dia 30 de maio, apontam na nota que a força dos lobbies – que envolvem empreiteiras acusadas de corrupção – foi maior que a força da sociedade organizada que pediu a não realização do projeto.

A nota do Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo, assinada por 46 grupos e entidades, pode ser lida na íntegra:

NOTA PÚBLICA

A TRANSPOSIÇÃO NÃO FARÁ REFORMA AGRÁRIA

O Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo, que congrega os movimentos sociais, organizações sindicais, pastorais e entidades de apoio, protagonistas das lutas do campo no Brasil, em reunião plenária do dia 30 de maio de 2007, em Brasília-DF, decidiu e comunica sua decisão contrária à transposição de águas do Rio São Francisco para o chamado Nordeste Setentrional.

Esperávamos que prevalecesse o bom senso, mas a iminência do início da obras nos faz ver que falaram mais alto o poder dos lobbies, mesmo de empresas suspeitas - como mostrou a Operação Navalha, da Polícia Federal -, a subordinação a interesses da globalização e as barganhas político-eleitorais.

Não foi suficiente todo o avanço das organizações da sociedade civil nordestina, dos centros de pesquisa e de setores do próprio Estado, em experimentar e propor cerca de 140 tecnologias alternativas, diversificadas e adaptadas às diversidades do bioma caatinga e do clima semi-árido. O recente Atlas Nordeste, produzido pela ANA – Agência Nacional de Águas, demonstrou que com metade dos recursos (3,3 bilhões de reais) destinados à transposição seria resolvido o déficit hídrico para consumo humano de 34 milhões de habitantes de 1.356 sedes municipais de nove estados do Nordeste, incluindo o Norte de Minas Gerais, até 2015. São 530 obras de pequeno e médio porte que continuarão sendo necessárias mesmo depois da transposição. Pois essa, em nome da “segurança hídrica”, destina-se realmente a possibilitar grandes usos econômicos intensivos em água, como a produção irrigada de frutas, criação de camarão e siderurgia. O Atlas da Ana desmascarou a transposição e obrigou o Governo a admitir o que o próprio texto do projeto já confessava: 70% das águas serão para irrigação, 26% para uso urbano e industrial e apenas 4% para consumo humano. E mesmo esses últimos não serão para população rural difusa, que mais sofre as conseqüências da irregularidade das chuvas, pois os canais vão passar muito longe dela.

Para esta população continuarão sendo necessários os programas de convivência com o semi-árido, como o P1MC – Programa Um Milhão de Cisternas e o P1+2 – Programa Uma Terra e Duas Águas, desenvolvidos pelas mais de 800 organizações sociais congregadas na ASA – Articulação do Semi-Árido, em parceria com o Governo Federal, num ritmo e num alcance ainda muito aquém do que seria desejável.

Não nos seduzem as promessas de “reforma agrária” ao longo dos canais. Não só porque a maior parte das terras é imprópria a assentamentos rurais. Sobretudo porque tais ações não farão frente à reconcentração de terra e água e poder que a transposição irá provocar. Desta forma a obra não vai modificar, antes vai potencializar a estrutura agrária, econômica, política e social que, em última instância, é a grande responsável pelo quadro de sofrimentos que há séculos atormenta o Nordeste e inquieta o Brasil. A transposição não debela, antes alimenta a “indústria da seca”, agora moderna, globalizada.

A manipulação da sede humana chegou ao máximo com esse projeto. A transposição, ao contrário do que apregoa, não só não vai resolver os efeitos da seca como vai agravá-los. O custo econômico da água transposta, através do mecanismo de “subsídio cruzado”, usado nos processos de privatização da água no mundo, recairá sobre toda a população da região, diretamente beneficiada ou não. Cruel ironia, virá pelo Nordeste a implantação em grande escala do “negócio da água” no Brasil.

Os projetos de transposição – anuncia-se também a do Tocantins para o São Francisco e para o Parnaíba – estão na contramão do que exigem as conseqüências do aquecimento global, resultado do insano crescimento econômico a qualquer custo. Tanto os Cerrados da bacia do Rio São Francisco como o Semi-Árido estão entre as regiões brasileiras que mais sofrerão impactos das mudanças climáticas. Precisam de outro tipo de investimentos, que desconcentrem e tornem sustentável o acesso aos recursos de terra e água ameaçados.

Conclamamos a toda a sociedade nordestina e brasileira a se levantar contra o desatino representado por esse projeto falacioso, anti-democrático e ultrapassado. Transposição Não, Conviver com o Semi-Árido é a Solução! Reforma Agrária e Hídrica no Nordeste Já!

Brasília-DF, 29 de maio de 2007

CONTAG – MST – FETRAF - CUT - CPT – CÁRITAS – MMC – MPA – MAB – CNBB - CMP - CONIC – CONDSEF – Pastorais Sociais/CNBB - MNDH – MTL – ABRA – ABONG - APR – ASPTA – ANDES – Centro de Justiça Global - CESE – CIMI – CNASI – DESER – ESPLAR – FASE – FASER – FEAB – FIAN-Brasil – FISENGE - IBASE – IBRADES – IDACO – IECLB - IFAS – INESC – MLST – PJR – REDE BRASIL – Rede Social de Justiça - RENAP – SINPAF – TERRA DE DIREITOS

 

Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Rua Esperanto, 490, Ilha do Leite, CEP: 50070-390 – RECIFE – PE

Fone: (81) 3231-4445 E-mail: cpt@cptne2.org.br