Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

A Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo investiga uma série de irregularidades no setor canavieiro. Uma audiência pública na Assembléia ouviu entidades de direitos humanos, sindicatos, pesquisadores e membros do Ministério Público do Trabalho. Apesar de o governo ter investido pesadamente na expansão da produção de etanol, através de crédito e outros tipos de incentivos, as condições de trabalho nos canaviais na safra de 2007 não são diferentes dos outros anos. Por Maria Luisa Mendonça

Desde 2004, o Serviço Pastoral dos Migrantes registrou 21 mortes de trabalhadores migrantes no corte da cana em São Paulo. Em 2007, foram registradas cinco mortes de migrantes por excesso de trabalho nos canaviais do estado. Em 28 de março, José Pereira Martins, de 52 anos, morreu de infarto após o trabalho no corte da cana, na cidade de Guariba. Ele havia migrado do município de Araçuaí, em Minas Gerais. Dia 24 de abril, Lourenço Paulino de Souza, de 20 anos, que migrara do Tocantins, foi encontrado morto usina São José, em Barretos. Em 19 de maio, falece Adailton Jesus dos Santos, de 34 anos, que havia migrado do Piauí para os canaviais paulistas. Dia 20 de junho, morre José Dionísio de Souza, de 33 anos, que havia migrado do estado de Minas Gerais. Em 11 de setembro, no município de Guariba, faleceu Edilson Jesus de Andrade, de 28 anos, que migrara da Bahia, mas seu corpo foi enterrado em São Paulo

Além destes casos, há outros registros de acidentes e mortes de trabalhadores no setor canavieiro em São Paulo. Em 2005, a Delegacia Regional do Trabalho registrou 416 mortes nas usinas do estado, maioria por acidentes de trabalho. No dia 15 de abril de 2007, um funcionário da usina Santa Luiza, no município de Motuca, morreu de asfixia e outro ficou gravemente ferido, quando faziam o controle da queima da cana e foram atingidos pelas chamas. Adriano de Amaral, de 31 anos, morreu quando faltou água no caminhão-pipa que dirigia para controlar o fogo. Ele era pai de um menino de sete anos e de um bebê com apenas 20 dias. O outro trabalhador, Ivanildo Gomes, de 44 anos, teve queimaduras em 44% de seu corpo.

No estado de São Paulo, maior produtor de etanol do país, estima-se que metade da mão-de-obra nas usinas seja de trabalhadores migrantes, principalmente do Nordeste e de Minas Gerais, que vivem uma situação ainda maior de vulnerabilidade. Os trabalhadores gastam cerca da metade de seu salário para sobreviver nos canaviais e pouco resta para enviar para suas famílias, que também dependem desses recursos para seu sustento. No final da safra, muitos migrantes não têm dinheiro suficiente para voltar ao seu local de origem. O piso salarial é, em média, $413 reais por mês, e os trabalhadores chegam a gastar $250 reais mensais para cobrir gastos de alimentação, água e moradia, em condições extremamente precárias.

“O empregador não oferece local adequado para descanso e refeição, não oferece condições sanitárias adequadas para as necessidades dos trabalhadores, não fornece ferramentas de trabalho adequadas, não repõe Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), não respeita pausas para descanso previstas na Norma Regulamentadora 31, e não fornece marmita térmica nem vestimenta de trabalho aos cortadores”, afirma o Procurador do Trabalho José Fernando Ruiz Maturana. E acrescenta, “Sem sombra para se abrigarem ou cadeiras para sentarem, não resta aos trabalhadores outra alternativa senão fazer a refeição sentados no chão debaixo de sol forte”.

O Ministério Público pretende investigar o impacto das condições ambientais (exposição a sol forte, calor, poeira e cinza) e do uso de agrotóxicos na saúde dos trabalhadores. Outra área de investigação será o cálculo do “pagamento por produção”, pois os trabalhadores não têm controle da pesagem da cana que cortam. Este ano já foram ajuizadas pela Procuradoria Regional do Trabalho 15a Região, mais de 40 ações civis públicas contra usinas, fornecedores e empreiteiras de mão-de-obra de São Paulo, por descumprimento de leis trabalhistas.

No final de agosto, procuradores da região de Bauru flagraram um esquema de fraude de documentos de trabalhadores rurais a partir de uma empresa de fachada chamada Escritório Contábil Avenida, em Lençóis Paulista. O “kit fraude” continha documentos em branco, que as empresas forçavam os trabalhadores a assinar para serem contratados. “O kit era composto de documentação irregular, como pedido de demissão, termos de rescisão de contrato de trabalho, registro de trabalho, recibos de fornecimento de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), contrato de experiência, prorrogação de contrato de experiência, contrato de safra (período da colheita) e contrato por prazo determinado, todos assinados em branco pelos trabalhadores”, afirma o documento divulgado pelo Ministério Público. O Procurador do Trabalho Luís Henrique Rafael estima que “milhares de trabalhadores podem ter sido vítimas da fraude”.

Na segunda semana de setembro, o Ministério Público determinou a suspensão do corte de cana no município de Mineiros do Tietê, no interior paulista, até que as usinas regularizem a situação dos trabalhadores. Uma das dificuldades em punir as usinas é o fato das contratações serem realizadas por intermediários ou “gatos” cuja função é aliciar principalmente trabalhadores migrantes, que muitas vezes não têm nem mesmo conhecimento de quem são os empregadores. Por isso, o Ministério Público passou a adotar punições para toda a cadeia produtiva. Em praticamente todas as investigações realizadas nas usinas de São Paulo foram constatadas violações de leis trabalhistas.

Diante das condições degradantes às quais são submetidos, os canavieiros reagem. Recentemente, cerca de 300 trabalhadores da usina Gasa, que pertence ao grupo Cosan, maior produtor de etanol e açúcar do país, entraram em greve para protestar contra a repressão sofrida por reivindicar aumento de salário. Com o objetivo de intimidar o movimento, a usina passou a intimidar um grupo de trabalhadores migrantes.

“Trinta trabalhadores foram retirados dos alojamentos, trancados no refeitório da usina e submetidos a constrangimentos por seguranças armados e um representante da empresa. Os seguranças, que eram Policiais Militares à paisana, mostravam ostensivamente as armas, ameaçando os trabalhadores. Eles disseram que todos estavam demitidos e que seria melhor eles deixarem a cidade o mais rápido possível”, denuncia Aparecido Bispo, secretário-geral da Feraesp (Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo).

Freqüentes denúncias de violação de direitos trabalhistas nas usinas têm levado a indústria da cana a especular sobre a possibilidade de massificar a mecanização do setor. Porém, há dúvidas sobre essa possibilidade, pois os baixos salários e a precariedade das condições de trabalho tornam mais lucrativo para as empresas manter o corte manual do que investir em maquinário. Atualmente, mais de 60% da colheita da cana é feita manualmente no Brasil. Desde o período da colonização, este setor depende da exploração da mão-de-obra, de grande quantidade de recursos públicos e da violação da legislação ambiental para se manter.

- Maria Luisa Mendonça é jornalista e coordenadora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.

 

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