Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

A CPT Nordeste 2 se despede de 2007 com uma avaliação da luta pela reforma agrária e da conjuntura política dos estados que ela representa. A mensagem que fica, mesmo com um ano sem muitos avanços, é que nas contradições se fortalece a luta e que, portanto, 2008 virá cheio de desafios.

Seguimos na luta!

Feliz 2008

Veja na íntegra esta avaliação.

Avaliação de conjuntura da reforma agrária

Comissão Pastoral da Terra

Regional Nordeste 2

A Comissão Pastoral da Terra, Regional Nordeste 2, faz um avaliação da luta pela reforma agrária e uma análise da conjuntura políticas nos estados de Alagoas, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte. Neste ano de 2007 muitos desafios se fizeram presentes na caminhada dos trabalhadores/as, sobretudo daqueles envolvidos na luta pela terra. A paralisação total do INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, o descompromisso de seus quadros e o escasseamento dos recursos, praticamente inviabilizaram a reforma agrária. Nas poucas regiões que aconteceram vistorias, elas foram viciadas, no sentido de favorecer os fazendeiros e atrapalhar o andamento dos processos desapropriatórios.

Percebemos que continua havendo um grande avanço somente na chamada reforma agrária de mercado, via Banco da Terra, proposta esta contrária à perspectiva da maioria dos movimentos de luta pela terra. Esta política de aquisição de terras – compra e venda – tem se transformado num verdadeiro balcão de negociações envolvendo proprietários, órgãos de governo e, até mesmo, representantes de trabalhadores responsáveis pela execução dessa política.

Nota-se também que houve um recrudescimento da violência contra os trabalhadores e seus apoiadores, sobretudo nos Estados de Pernambuco e de Alagoas onde agentes da CPT foram ameaçados, em virtude do seu compromisso no apoio à luta pela terra. Em Alagoas, o enfrentamento da luta pela terra se deu com o poderoso clã dos Calheiros, família com forte representação política no cenário nacional e que tem como seu maior representante o ex-presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, que este ano foi pivô de graves denúncias sobre toda a sua trajetória política. Das atividades marcantes no estado das Alagoas, sem dúvida, está a ocupação das terras da Família Calheiros, que resultou na intervenção do cartório da cidade de Murici, que está em investigação acusado de favorecer a grilagem de terras na região.

Na Paraíba, do Sertão ao Litoral, a articulação dos políticos, quase todos latifundiários, encontra seu braço forte na aliança com o poder judiciário que historicamente tem se colocado frontalmente contra os interesses dos diversos grupos envolvidos na luta pela terra. O Estado constantemente assume posturas de defesa dos grandes fazendeiros ou de grupos empresariais como é o caso das várzeas de Sousa, onde há anos aproximadamente 200 famílias lutam incansavelmente pelo acesso à terra para trabalhar e viver.

No Rio Grande do Norte, mais recentemente tem se percebido de maneira mais clara a aliança capital-judiciário, como é o emblemático caso da Fazenda Tapuyo, de propriedade do poderoso grupo João Santos. Nesta fazenda, o poder judiciário não se envergonha de escancaradamente se utilizar de meandros jurídicos para atrapalhar o andamento do processo desapropriatório de uma área sabidamente abandonada e improdutiva.

O Estado de Pernambuco tem se caracterizado como o palco das lutas de resistência, seja pelo grande número de conflitos, seja pela quantidade de famílias envolvidas ou pela truculência do Estado, sobretudo do aparato policial para com os vários grupos de sem terra e lideranças dos Movimentos de representação das lutas. Em virtude destes e de outros acontecimentos é que vários movimentos sociais de apoio à luta dos sem terra não temem em errar ao afirmarem que o ano de 2007 representou um retrocesso no que diz respeito às lutas pela democratização e o acesso à terra. Contudo, estes momentos geram importantes respostas, como foi a atuação do Fórum das Organizações do Campo, que este ano unificou quatro importantes movimentos para pressionar o governo nas pautas relacionadas à Reforma Agrária. Uma das grandes atividades unificadas foi a ocupação da Usina Salgado, com mais de mil trabalhadores/as e que gerou em um processo de desapropriação por dívidas trabalhistas e degradação ambiental. A abertura deste processo representa uma vitória importante para a luta por alteração nos indicadores da desapropriação.

Outras duas ocupações que marcaram o estado de Pernambuco em 2007 foi a do canteiro de obras do Rio São Francisco, contra o início das obras da transposição, e a das terras destinadas ao agronegócio, ambas na região conhecida como Sertão do São Francisco, onde estão cidades importantes como Cabrobó e Petrolina. Das grandes ações a favor dos pobres e das vítimas da seca, merece menção a greve de fome enfrentada por Dom Luiz Cappio, contra a transposição das águas do Rio São Francisco e contra a truculência do Governo Federal, que não abriu espaço para o debate amplo com a população. Mais uma vez o Governo insiste em implementar políticas que favorecem os grandes empresários do agronegócio, os usineiros e os criadores de camarão, em detrimento de políticas sociais que venha a melhorar a situação dos atingidos pela seca. Dom Cappio vem cumprindo um importante papel nesta luta e, junto com organizações sociais, tenta mostrar alternativas à transposição que ao mesmo tempo que onere menos o Estado, atenda de fato os necessitados.

Com relação à política do Governo Federal, verificamos a continuidade de uma política de incondicional adesão aos interesses de grandes grupos transnacionais em prejuízo dos milhões de camponeses espalhados nordeste e Brasil afora. O agronegócio assume o ápice da sacralização tornando-se verdade quase que absoluta, inviabilizando qualquer tentativa de se construir políticas de apoio à agricultura camponesa e à produção de alimentos saudáveis. Acirraram-se os conflitos entre trabalhadores rurais e multinacionais, resultando em mortes, como no caso do assassinato do trabalhador rural e de um segurança, durante a ocupação do Campo de Experimentos da Syngenta Seeds, pela Via Campesina, no dia 21 de outubro.

Na Zona da Mata, de Alagoas, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte, percebe-se uma grande expansão da cana-de-açúcar em virtude da nova política de incentivo aos agroenergéticos. Esta política tem se caracterizado pela destruição ambiental, sobretudo contaminação, poluição e eliminação de nascentes e rios, destruição de manguezais, negação de direitos, trabalho em condições análogas à de escravidão, concentração cada vez maior da terra e das águas e compra de terras por multinacionais estrangeiras. Esta realidade tem praticamente inviabilizado ou tornado muito difícil à luta pela terra e pela reforma agrária na Zona da Mata Nordestina. Resultado também desta política vem sendo a diminuição da área de plantação de grãos e, consequentemente, o aumento do preço de alimentos básicos, como é o caso do feijão, que só em 2007 subiu 150%.

No Sertão, esta política dos agroenergéticos também segue a lógica nacional e regional na qual forças representantes dos grandes grupos transnacionais tentam impor suas políticas, como é o caso entrada da cana-de-açúcar no Sertão do Arararipe. Região historicamente conhecida pela produção de grãos por pequenos agricultores. A grande maioria dos governos estaduais, prefeituras municipais e diversas outras autoridades, em uníssono, defendem a expansão dessa política em detrimento da agricultura camponesa e da produção de alimentos.

Outro fator que observamos este ano foi a destruição de uma pequena experiência em andamento no que se refere à política de Assessoria Técnica (ATES), que se pretendia uma política mais massiva e universal e que em 2007 não conseguiu sair do papel, tendo pelo contrário, o seu esfacelamento. Isto atrapalhou os projetos em andamento e desestimulou as diversas entidades que prestam serviço aos assentamentos rurais.

Mesmo convivendo com esta conjuntura desfavorável, várias famílias camponesas em diversas regiões têm disputado o modelo de agricultura a ser implementado no Brasil e o direcionamento de algumas políticas de governo, para que estas seja implementadas no sentido de distribuir terra e renda e melhorar a qualidade de vida dos que moram no campo. Várias conquistas, como, casas, estradas, poços, eletrificação, projetos produtivos, acesso a tecnologias adequadas (cisternas de placas, animais de pequeno porte, horticultura, caprinovinocultura, artesanato, qualificação profissional, educação do campo etc), tem animado as famílias envolvidas com a Reforma Agrária.

Uma outra novidade que percebemos neste 2007 tem sido o avanço das experiências agroecológicas em praticamente todos os Estados que compõem a regional nordeste 2 da CPT. Consolidaram-se as feiras agroecológicas de João Pessoa, na Paraíba, como uma alternativa de geração de emprego e renda para as famílias envolvidas e como um indicativo para a construção de um novo modelo de produção e de comercialização.

Tem merecido destaque a feira dos camponeses e camponesas de Alagoas que uma vez por ano é realizada na capital e envolve dezenas de famílias com considerável quantidade de produtos. Em menor escala percebe-se ainda iniciativas em Apodi, no Rio Grande do Norte, em Cajazeiras, na Paraíba, e no Recife, onde os trabalhadores realizaram este ano a primeira feira agroecológica da reforma agrária, com perspectivas de que venha a se tornar sistemática, contribuindo para a construção de um outro modelo de reforma agrária e de produção.

Já no final do ano uma boa notícia veio para aquecer os corações e revigorar a força dos que lutam por reforma agrária. No último dia, 24, saiu a desapropriação do Engenho São João, conhecido como Acampamento Chico Mendes, importante área de conflito em Pernambuco, que ao longo de quatro anos acumulou histórias suficientes para se tornar um dos símbolos da reforma agrária no estado.

Vivemos assim, um cenário de desânimo e de ânimo, de desencanto e encanto, de derrotas e de vitórias, de tristezas e alegrias, na busca de resgatar a verdadeira esperança que de passo em passo vai chegando.

Esperamos um 2008 com muita mobilização, para cumprir o nosso desafio de alertar o povo brasileiro sobre o perigo que representa o avanço do capital e das empresas multinacionais para nossa soberania. No próximo ano a nossa luta é para limitar a propriedade!

 

Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

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