Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

\"\"ENTREVISTA

Em meio a debates sobre a construção de hidrelétricas na Amazônia, há ainda, embora que um pouco esquecido nos últimos tempos, o projeto de transposição do Rio São Francisco. A semana que começa no dia 04 foi denominada Semana do São Francisco, em que eventos de conscientização serão realizados para que a luta em defesa deste rio não seja deixado de lado. O representante da Comissão Pastoral da Terra da Bahia Rubens Siqueira analisou, na entrevista que nos concedeu, por telefone, os últimos três anos de ação dos movimentos que defendem a vida do rio São Francisco.
Segundo ele, 2007 foi o grande ano, mas, em 2008, os movimentos viveram grandes dificuldades e, neste ano, tentam retomar o nível de debates que eram realizados no início. “Continuamos com dois focos: transposição e revitalização do São Francisco”, aponta ele.

Siqueira fala também sobre como estão as obras de construção dos eixos que realizarão a transposição, além do projeto de revitalização do rio. Ele diz que, hoje, essa revitalização se concentra no esgotamento sanitário, mas não está investindo na filtragem do esgoto que assegura a qualidade da água que vai para o rio. No entanto, Siqueira afirma que o grande problema que o São Francisco vive hoje é a diminuição da vazão de água. “Saíram agora estudos de climatologia dizendo que entre os rios do mundo, na América do Sul, o São Francisco foi o rio que mais perdeu água. Perdeu 35% de vazão nos últimos 50 anos. Se considerarmos as mudanças climáticas, ele pode perder ainda 25% da sua vazão nos próximos milênios”, disse.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Neste último ano, o que foi feito em defesa do Rio São Francisco?

Rubens Siqueira – O ano de 2007 foi repleto de enfretamentos à transposição. Foram feitas várias ocupações e acampamentos em Brasília e no canteiro de obras, além do jejum de Dom Luiz. Em 2008, nós tivemos o refluxo disso, uma certa dificuldade do movimento entender que precisava continuar fazendo o enfretamento à transposição e pela revitalização do São Francisco porque era alguma forma de o nordeste estar se estabelecendo. Então, nós tivemos uma dificuldade de manter o mesmo padrão de 2007. Já em 2009, nós conseguimos reaglutinar os movimentos para tentar manter o mesmo nível que conseguimos em 2007.

Acabamos de nos reunir no Ceará, planejando as ações desse ano da luta contra a transposição. Estamos, nesse momento, em Brasília, na Conferência Nacional dos Pescadores Artesanais, e uma das questões é essa. Na semana que vem, temos o dia do São Francisco. No dia 04 de outubro, começa a semana do rio e nesse ano trabalharemos o tema “O rio São Francisco está morrendo. E você?”. É um apelo que fazemos ao povo da bacia exatamente para voltar a se aglutinar na luta em defesa do São Francisco.

 Quais os rumos da luta em defesa do rio?

Rubens Siqueira – Continuamos com dois focos: transposição e revitalização do São Francisco. Em relação à transposição, apesar de o governo não ter avançado com as obras, elas estão entre 6 e 7% dos eixos concluídos. Sabemos que o governo não vai conseguir cumprir o calendário prometido, ou seja, fazer o eixo leste até 2010. Isso é impossível no ritmo que as obras estão. Apesar disso, continua-se o discurso, a propaganda, principalmente no nordeste setentrional, pela transposição. Então, esse tema vai continuar sendo polarizado por nós, principalmente nos estados beneficiados, onde tem havido desapropriações, há muito descontentamento por parte da população. Queremos ir discutir com a sociedade, e todos os movimentos vão se unir para isso.

Com relação à revitalização, o governo centrou a revitalização na qualidade da água, saneamento e, na maioria dos casos, esgotamento sanitário.  Não há nenhuma preocupação com a quantidade da água. O São Francisco está perdendo vazão. Então, vamos discutir esse tema, porque a revitalização que o governo alardeia não está acontecendo, e o rio continua em seu processo de degradação.  Por isso, precisamos continuar esse debate para criar um clima favorável para que os movimentos tomem uma atitude mais incisiva diante do São Francisco. Então, na semana que vem, que é a semana do rio, vão acontecer vários eventos educativos, debates nas escolas, panfletagem e algumas outras ações. É o nosso modo tradicional, ou seja, trabalhar com a conscientização, informação e a mobilização da população.

Parece que o grande debate hoje gira em torno das hidrelétricas em construção na Amazônia. Como o senhor vê a questão do Rio São Francisco em meio a esses debates?

Rubens Siqueira – Pois é, isso tem acontecido muito. Inclusive, o olhar internacional se voltou para a Amazônia e esqueceu-se do Cerrado, dos outros biomas e outros projetos voltados para a energia. O plano da Eletrobrás prevê mais barragens no São Francisco, principalmente nos seus afluentes. Só no oeste da Bahia, que tem uma parte da Bacia do Cariranha (que faz a divisa Bahia-Minas), o rio Corrente e o Rio Grande, ou seja, tem os três últimos grandes afluentes do Rio São Francisco. Só o Cariranha e o Rio Grande, na época da seca, são responsáveis por 40% da água do São Francisco. Para essas bacias, há 49 projetos de barragens e PCHs. Muitos vêm da iniciativa privada, que não tem preocupação ambiental ou social. Esse boom da energia para esse “crescementismo econômico”, que oferece ao capital internacional vir aqui e se aproveitar dos recursos naturais que ainda temos, inclui também o São Francisco, mas não se tem tantos olhos para ele quanto se tem para ver as questões que tratam da Amazônia.
As obras do projeto de transposição do rio já começaram. É possível detectar alguma consequência já?

Rubens Siqueira – Então, como falei, cerca de 7% dos eixos já estão em construção. Ainda nenhuma empresa privada entrou com obra de engenharia. O que tem havido são os primeiros canais de captação e as primeiras barragens, que é o Exército quem está fazendo. Nessa região, já houve muito desmatamento. Volta e meia, o Tribunal de Contas da União pública divulga relatórios, mostrando que, nas obras da transposição, têm ocorrido ilegalidades e indícios de corrupção. Na região, houve uma expectativa muito grande de empregos que não se concretizaram ainda. Há problemas de prostituição com esse pessoal que vem para o trabalho concreto, além do desmatamento nas regiões “beneficiárias”. Algumas famílias de camponeses já foram desapropriadas e indenizadas, com isso, a produção de alimentos caiu. Isso significa fome, sede. Há uma insegurança na população. Esses são os impactos iniciais.

Como está, hoje, o programa de revitalização do rio São Francisco?

Rubens Siqueira – O governo tem concentrado, e de fato tem feito muita obra de esgotamento sanitário. Nós temos andado pelas cidades ribeirinhas e temos visto em todas elas obras de canalização de esgoto etc. Isso é importante, no entanto, poucas estações de esgoto estão sendo projetadas, pois são caras, mas são elas que devolvem ao rio a água limpa. Nós estamos num impasse, pois recursos têm sido utilizados para realizar o esgotamento, mas em termos de qualidade da água do rio, que é o foco da obra de revitalização do governo, isso não tem acontecido. Em alguns casos, vimos que aumentou o esgoto lançado no rio e não o esgoto tratado. Mas a grande questão é ainda a quantidade da água. Saíram agora estudos de climatologia dizendo que, entre os rios do mundo, na América do Sul, o São Francisco foi o rio que mais perdeu água. Perdeu 35% de vazão nos últimos 50 anos. Se considerarmos as mudanças climáticas, ele pode perder ainda 25% da sua vazão nos próximos milênios. É um rio com todas as evidências de um quadro hídrico crítico, no entanto, o governo continua com esses projetos que privilegiam a produção de cana-de-açúcar para etanol em toda a bacia do São Francisco.

Muitos dizem que já existe água para onde se deseja transportá-la através da transposição. Isso é verdade?

Rubens Siqueira – Veja só: a região do semiárido brasileiro – do nordeste seco, como também chamamos – é uma região, entre os semiáridos do mundo, que mais concentrou água, que mais fez açudes.  São 70 mil açudes. Há açudes que têm seis bilhões de metros cúbicos de água. São grandes cemitérios de água, porque essas águas estão lá e não estão sendo usadas, ou são usadas pelos grandes latifundiários. Para que, então, exportar água? Alguns falam que a transposição dará segurança hídrica às águas do nordeste. Mas nós perguntamos: aumentar a oferta hídrica para quem? Para fazer o que? A que custo? Qual o desenvolvimento que está por trás da transposição? Esse debate não está sendo feito. Essa água acumulada, por lei, deve ser acessível à população do árido, mas não é.

  O Comitê de Bacia do São Francisco tem sido ouvido?

Rubens Siqueira – O Comitê tem, por lei, a obrigação de definir os critérios de uso de outorga das águas do rio. A outorga quem dá é a Agência Nacional de Águas (ANA), mas o comitê, com base em estudos, viu que o que existe na bacia do São Francisco são 360 metros cúbicos para serem outorgados. Desses 360, apenas 25 metros cúbicos ainda não foram outorgados. E a transposição é, no mínimo, para levar 25 metros cúbicos e, no máximo, 128 metros cúbicos. Com base nesses dados, o comitê diz que é possível fazer a transposição desses 25 metros cúbicos para uso humano nos lugares onde, comprovadamente, não há outra fonte hídrica. Então, ele condicionou muito, por isso a decisão do comitê não é respeitada. O comitê está agora definindo os critérios de cobrança da água, e o grande debate é exatamente o custo da água da transposição, e o governo federal quer que o comitê facilite e, então, que a água da transposição seja mais barata. Mas ela vai ser a água mais cara por conta de toda bombeação e gasto de energia para fazer chegar lá. Por vários momentos, o comitê tem sido atropelado pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos e outros órgãos, pois parece que o projeto de transposição é estraté

 

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