Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Para jurista, segundo a Constituição, o projeto da transposição das águas do São Francisco não pode ser implementado por um decreto presidencial; na quarta-feira, STF decide o futuro da ação da Procuradoria da República que questiona a legalidade do megaempreendimento do governo Lula.

O futuro do controverso projeto do presidente Lula de transpor as águas do rio São Francisco pode ser decidido na quarta-feira (19). Nesta data, o Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar o mérito de uma ação da Procuradoria Geral da República que conseguiu barrar, com uma liminar, as obras que estão sendo executadas pelo Exército.

O julgamento do STF será definitivo e está sendo aguardado com expectativa por movimentos sociais e organizações que se solidarizam com a greve de fome realizada por frei Luiz Cappio. O religioso entrou nesta terça-feira (18) em seu 22ª dia de protesto. O Supremo pode decidir pela suspensão do projeto.

O jurista Fábio Konder Comparato, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), diz aguardar um julgamento que reafirme o interesse popular. “Eu espero que, quando o STF decidir o mérito da questão, ele coloque a soberania popular e a supremacia da Constituição acima dos interesses político-partidário do governo federal”, disse o jurista em vídeo gravado nesta terça-feira (18) por Marcelo Zoellick, diretor do Grupo Tortura Nunca Mais de SP (assista o vídeo).

Comparato explica que a Constituição brasileira foi desrespeita pelo presidente Lula. Primeiro, porque o projeto foi implementado por um decreto presidencial. “Qualquer modificação no escoamento dessas águas (do São Francisco) não pode ser decidida pelo presidente da República, mas sim pelo Congresso Nacional, com a sanção do presidente. Isso está escrito no artigo 48, inciso 5º da Constituição sobre a disposição de bens do domínio da União”, explica o jurista.

O rio São Francisco é a terceira maior bacia hidrográfica do país, tem 2,8 mil quilômetros de extensão e passa no território de cinco Estados brasileiros. Nasce na Serra da Canastra, em Minas Gerais, cruza a Bahia, passa por Pernambuco e deságua no Oceano Atlântico, na fronteira de Sergipe e Alagoas. Para Comparato, a Constituição estabelece, em seu artigo 22, que rios dessa natureza são bens da União e pertencem ao povo brasileiro. Uma modificação em seu escoamento alteraria o próprio equilíbrio federativo e essa decisão não cabe, isoladamente, ao presidente da República. “Isso é um escárnio. A Constituição dá ao presidente a direção da administração federal. Mas isso não é um ato administrativo. Jamais se pode mudar substancialmente o patrimônio da União, não é do Estado, é do povo brasileiro. Isso está completamente de acordo com o espírito da Constituição. Somos um estado federal. Portanto os estados que compõem a federação têm a sua autonomia”, argumenta o jurista.

Democracia?

Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, afirmou que o presidente Lula, por ser democraticamente eleito, tem pleno direito de executar o projeto da transposição. O ministro afirma que os espaços de participação popular foram garantidos, citando as audiências públicas. Comparato questiona essa disposição do governo para o diálogo. “O que aconteceu? De maneira acintosa, o governo federal preparou arremedos de audiência públicas que se realizaram em capitais dos estados à noite em hotéis de cinco estrelas. É um reflexo da mentalidade oligárquica, senão ditatorial dos governantes brasileiros”, diz o jurista.

Segundo ele, é equivocado pensar que, por ser eleito, o presidente Lula tem o poder de decidir sobre a transposição das águas do terceiro maior rio brasileiro. “Há algo muito importante. A Constituição diz que somos um Estado democrático de direito. Declara que o poder pertence ao povo, não se aliena, não se entrega, não pode ser emprestado a governantes. Só o povo pode decidir aquilo que lhe diz respeito. Se se trata de um bem que é patrimônio público, o povo brasileiro deveria ser consultado. A Constituição já dá essa possibilidade, mediante plebiscito”, afirma.

Confira na íntegra o Depoimento do jurista Fábio Konder Comparato

"A questão da transposição das águas do Rio são Francisco é um teste para o regime político brasileiro. No fundo, não se discutiram as grandes questões que representam a alma do regime político. Tal como foi decidida a transposição, por decreto do presidente da República, ela é formalmente inconstitucional. De modo direto, fere os dispositivos da Constituição Federal e, substancialmente, ela representa uma frustração da soberania popular.

Eu explico: quanto ao primeiro ponto, trata-se de um rio que banha vários estados. A Constituição, no artigo 22, inciso III, declara que os rios dessa natureza são bens da União; eles pertencem ao povo brasileiro e, por conseguinte, qualquer modificação no sistema de escoamento dessas águas que modifique o equilíbrio federativo não pode ser decidido pelo presidente da República. O artigo 48, inciso V da Constituição, determina que é da competência do Congresso Nacional, com a sanção do presidente da República, dispor sobre bens do domínio da União. Isto está perfeitamente de acordo com o espírito da Constituição: nós somos um Estado federal. Portanto, os estados que compõem a federação têm a sua autonomia. Não é possível que se modifique esse equilíbrio federativo, essa disposição de bens que dizem respeito à convivência de vários estados, mediante decreto do presidente da República.

Isto é até um escárnio: a Constituição dá à presidência da República a direção da administração federal, mas isto não é um ato administrativo. Por decreto do presidente da República, pode-se organizar o funcionamento e a organização da administração, podem-se extinguir cargos públicos, mas jamais mudar substancialmente o patrimônio da União que, repito, não é do Estado, é do povo brasileiro.

Portanto, o que se vê é uma diminuição do poder Judiciário, que não soube se levantar dignamente contra essa violação da Constituição. Mas há algo também muito importante: a Constituição diz que nós somos um Estado democrático de Direito e o artigo 1º, parágrafo único, declara que o poder supremo pertence ao povo, ele não se aliena, não se entrega, não pode ser emprestado a governantes. Só o povo pode decidir, em última instância, aquilo que lhe diz respeito.

Ora, se se trata de um bem que é patrimônio público, patrimônio do povo, o povo brasileiro deveria ser consultado. De que forma? A Constituição já dá essa possibilidade. Mediante plebiscito, o artigo 14 da Constituição prevê isto. E o que aconteceu? De maneira acintosa, o governo federal preparou arremedos de audiência pública, e sabem onde se realizaram essas audiências públicas? Nas capitais dos estados, à noite, em hotéis de 5 estrelas. É realmente um reflexo da mentalidade oligárquica, senão ditatorial, dos governantes brasileiros. Com que autoridade nós podemos criticar outros governantes, dizendo que eles são ditadores, populistas? No caso brasileiro é muito pior, nós somos democratas disfarçados. No fundo e na forma, nós negamos a limitação de poderes da Constituição e não reconhecemos a soberania popular.

Eu espero que, quando o Supremo Tribunal Federal decidir o mérito da questão, ele ponha soberania popular e a supremacia da Constituição acima dos interesses político- partidários do governo federal."

Fonte: brasildefato.com.br e mst.org.br

Assista o Noticiário Popular Dom Luiz Cappio III

 

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