Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Neste último dia 8 de outubro, um violento e bárbaro despejo judicial tirou de seu território tradicional a comunidade Grotão, um conjunto de 10 famílias que ocupa uma área de cerca de 200 alqueires (uns mil hectares) a 94 km de Filadélfia, na região nordeste do Estado do Tocantins. Essas famílias são remanescentes de quilombo e estão no seu território há aproximadamente 200 anos. Um processo de reconhecimento já foi encaminhado à Fundação Palmares para fim de homologação.

A liminar de reintegração de posse, nos autos da ação n° 2006.0009.6970-2, foi emitida em 21 de agosto de 2008 pelo Juiz da Comarca. Ao ordenar o despejo dos moradores da área, o Juiz determinou que permanecessem no imóvel os senhores Raimundo José de Brito e Cirilo Araújo de Brito, com a esposa e a neta, cada um com direito a 50 hectares . Esses dois senhores, cujo direito de posse foi assim reconhecido pelo Juiz, são respectivamente pais, avô e bisavô dos demais moradores da terra. Este é o motivo pelo qual a comunidade havia encaminhado solicitação ao Juiz, através do Defensor Público, para que todos passassem a ficar nas imediações das casas dos Sres Cirilo e Raimundo: esses moradores têm vínculos familiares, isso deveria lhes garantir o mesmo direito de permanência na terra e deveria evitar maiores danos materiais, morais e culturais principalmente quanto ao vínculo com a terra.

Conforme depoimento da Sra Maria Aparecida Gomes Rodrigues, no dia 8 de outubro de 2008, às 9h da manha, dois Oficiais de Justiça chegaram à sua casa: Sr José do Fórum e Sr Véu, junto com um micro-ônibus com mais ou menos 25 policiais militares e uma viatura com cinco policiais do COE (comando de operações especiais).

Ao chegarem ordenaram aos moradores que desocupassem suas casas e retirassem todos os seus pertences. Os moradores pegaram seus pertences e os colocaram no meio do terreiro. A Sra Aparecida tentou então negociar para poder levar seus bens para a casa do seu pai, Sr Raimundo José de Brito. O Comandante da Polícia permitiu que fossem retirados apenas moveis e objetos de uso pessoal. Não houve tempo para retirar os animais (entre eles: 3 porcos, 1 cavalo, galinhas e perus) nem de colher a roça de mandioca, cuja estimativa de produção corresponde a 40 quartas de farinha. Aparecida foi ameaçada de que se não retirasse a mandioca até a noite, a (pretensa) dona da fazenda, Sra Francisca, colocaria gado em cima. Aparecida conseguiu retirar a metade dos seus bens. Em seguida o Oficial de Justiça, Sr José do Fórum, foi até a casa do pai dela, Sr Raimundo, e pegou os pertences de Sra Aparecida, colocando-os em cima de um caminhão, mas deixando boa parte deles pelo meio da estrada.

Na sequência, junto com o Sr Dermivon Sousa Luz, filho da Sra Francisca, um senhor derrubou a casa de Aparecida, com motosserra. Neste momento, Aparecida sofreu um desmaio. Posteriormente obteve informação de que sua casa fora queimada. À distância, ela mesma viu fumaça na direção da sua casa. A partir de então, as crianças entraram em desespero, chorando e correndo por todo canto, chegando também a desmaiar. Rafaela, 9 anos, filha de Aparecida, começou a botar sangue pela boca. O Oficial de Justiça falou para Sr Raimundo Cantuário, esposo de Aparecida: “Vou levar esses negros sem vergonha e despejá-los na porta daquele velho sem vergonha do vereador Sr Sebastião que os ajudou e os documentou”. Em seguida, os policiais levaram todos eles para a casa do Sr Cirilo, sogro de Aparecida e ali reuniu as demais famílias também despejadas. Dali as pessoas foram levadas em uma van e os poucos pertences que sobraram carregados em um único caminhão.

Na oportunidade foram destruídas outras 6 casas. Queimaram a casa do José Wilson Lopes Silva, com todos os pertences dentro, salvo apenas um colchão e uma caixa de ferramentas. O Daniel Freitas dos Santos não se encontrava em casa; nela estava apenas sua esposa, dona Emília Cantuário, grávida de 3 meses. Nesta casa, a queima foi executada pelo próprio Sr Dermivon e acompanhada pelo Oficial de Justiça e alguns policiais. O fogo da casa de Daniel pulou para as roças do Márcio, do próprio Daniel e do Sr Cirilo, patriarca da comunidade cujo nome, vale lembrar, não constava entre os moradores listados para serem despejados, conforme ordem judicial. O fogo se espalhou para todo o campo, causando sérios danos ambientais. Em seguida passaram a queimar a casa de Sr Manuel Cantuário Camilo dos Reis. Os seus pertences só puderam ser retirados pela metade, pois estavam sendo pressionados pela polícia e pelo oficial para saírem. Assim Sr Dermivon queimou a casa de Manuel ainda com alguns pertences dentro. Em seguida passou para a casa do Márcio, a qual derrubaram e queimaram; Márcio conseguiu tirar seus pertences porém não conseguiu colocá-los no caminhão porque não cabiam. Assim teve que abandonar na estrada uns 5 sacos de arroz. Em seguida, o Oficial, Sr Véu, e Dermivon passaram a realizar a queima da casa de Antônio Cantuário Camilo dos Reis, o qual é deficiente mental e tem 3 crianças. Sr Antônio retirou apenas os pertences de uso pessoal e os móveis, deixando para trás os animais: galinhas e burra, bem como uma roça de mandioca. O Dermivon ameaçou Sr Antônio: se não retirasse a mandioca imediatamente, ele colocaria gado dentro.

Depois os mesmos se dirigiram para a casa da dona Juraci que também tem problemas mentais e tem 2 filhas deficientes. Sra Juraci mora a uns 50 metros da casa do Sr Cirilo, o qual não está incluído entre os despejados. Derrubaram e queimaram sua casa. Nesta família, as crianças suplicaram para não queimar a casa, pois moram dentro das terras do pai e avô Sr Cirilo, que tem ali posse de 5 alqueires. Em seguida, quando já era 21h, foram conduzidos até o caminhão e a van pela polícia, ajudada por Sr Dermivon e um diarista de Dermivon, Sr Raimundo Braga, e foram levados para Bielândia.

 
Ressalta-se que durante todo o dia as famílias, incluindo crianças, idosos e mulher grávida, não tiveram como se alimentar. Em Bielândia, a dona Francisca - que se apresenta como proprietária das terras - fretou uma D20 para levar as famílias até Filadélfia. Chegaram a Filadélfia às 22h30. Em Filadélfia o Sr Véu, Oficial de Justiça, em conversa com Sra Aparecida, perguntou onde as famílias ficariam. Aparecida respondeu que não tinham pra onde ir, logo iriam para o Fórum. Foi então que ele respondeu “que o lugar em que ele deveria ter deixado as famílias era na beira da estrada, sem água ou qualquer outro recurso.” Em seguida Aparecida foi ameaçada também pelo Sr Zé do Fórum. Este, desconsiderando os documentos da Associação e da Ouvidoria Agrária Nacional, assim se pronunciou: “Você pode juntar documentos da Associação e da Ouvidoria que nada disso tem valor, que por esses documentos eu tenho o carro cheio. Pode juntar mais!” Em seguida ele chamou uma viatura com dois militares para impor às famílias a sua decisão de deixá-las na quadra de esporte e não no Fórum conforme solicitado pela Aparecida. O policial destratou a Sra Aparecida, mandando-a calar a boca, pois ela não se encontrava na sua terra, logo deveria fazer o que eles quisessem.

Somando 7 adultos e 20 crianças, as famílias permaneceram de fato na quadra, lugar onde se encontram sem condições de infra estrutura para dormir, beber ou se alimentar.

 

Araguaína, TO, 10/10/2008

Pedro Antônio Ribeiro  e Irmã Helena Mendes,

Comissão Pastoral da Terra Araguaia-Tocantins

 

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