Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

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De acordo com os dados da CPT, foram encontrados no ano passado, 656 trabalhadores rurais escravizados no corte de cana no estado. O número só perde para Goiás e Pará.

Nesta última quinta-feira, dia 7, trabalhadores da Usina Utinga Leão, em Alagoas, bloquearam um trecho da BR 104, para protestar contra a falta de salários no corte da cana. Este é o segundo caso em menos de uma semana que trabalhadores rurais do corte da cana protestam por falta de salário em Alagoas.

O outro caso aconteceu ainda no último dia 4, quando outro grupo de canavieiros, dessa vez da Usina Taquara, bloqueou a BR 101 AL também para protestar contra a falta de salários. As manifestações explicitam a situação de exploração e desrespeito trabalhista que milhares de trabalhadores e trabalhadoras sofrem todos os dias no monocultivo da cana de açúcar.

O estado de Alagoas apresentou um dos piores índices de trabalho escravo no campo em 2008. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o estado é o terceiro do país, e o primeiro da região Nordeste, com mais casos de trabalho escravo no campo. Ao todo, foram registrados 656 trabalhadores libertados, todos encontrados no monocultivo da cana. Segundo Carlos Lima, da CPT de Alagoas, a situação dos canavieiros é de miséria e as violações de direitos humanos e trabalhistas só têm se intensificado.  “A exploração faz parte da cadeia produtiva dos usineiros”, comenta.

Em entrevista, Carlos Lima fala sobre o trabalho escravo e a intensificação das manifestações em defesa dos direitos dos trabalhadores rurais assalariados da cana.

 

CPT NE2 – Historicamente, todo final de safra, fatos como esses [protestos contra os Usineiros] se repetem. Mas o que se observa é que nos últimos períodos tem aumentando o número desses protestos em Alagoas. A que se deve este fato?

Carlos Lima - Com o discurso que a crise prejudicou o setor sucroalcooleiro, os usineiros não têm pagado aos fornecedores e canavieiros. Ao final da safra, vários trabalhadores estão em situação de desespero, sem salários para honrar seus compromissos. Com essa situação, os trabalhadores estão se mobilizado, fechando BRs pra tornar público sua reivindicações. É uma situação de miséria que passa os cortadores. O aumento dos protestos se deve, primeiro, a esta necessidade e depois ao exemplo de mobilização dos sem terra, que lutam por Reforma Agrária. Por muito tempo as manifestações foram associadas aos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, agora muitas mobilizações são realizada pela própria base, questionando as Usinas e até mesmo o Sindicato. É o protagonismo dos trabalhadores.

CPT NE 2 – Em 2008, mais de 650 trabalhadores rurais foram encontrados em situação de escravidão nas Usinas de Alagoas. Este número colocou o estado entre os que lideram os casos de trabalho escravo no país, o que até então não acontecia. Como você avalia isso?

CL – Casos de trabalho escravo em Alagoas sempre aconteceram. O fato é que os fiscalizadores locais não atuavam com rigor. O poder dos usineiros é muito forte no estado e impede que fiscalizações sejam realizadas. Só foi possível fiscalizar e divulgar mais fortemente os dados, este ano, porque foi uma força tarefa específica.

CPT NE2- Então existe uma relação intrínseca entre o trabalho escravo e o agronegócio?

CL - A relação é histórica. O setor sempre se utilizou da mão de obra escrava indígena ou negra. A exploração faz parte da cadeia produtiva dos usineiros, eles nunca pensaram nos assalariados como uma mão de obra importante e que tem direitos trabalhistas. Outra marca deste setor é a violência física contra os trabalhadores que se levantam para denunciar o desrespeito a que eram e são submetidos. Era comum nos anos 80, e início dos 90, a presença de sub-delegacias nas sedes das usinas, como forma de reprimir os trabalhadores. Era o estado a serviço do poder econômico privado. Hoje é comum homens armados fiscalizando o corte e nas sedes das usinas.

CPT NE 2- Quais foram os casos mais emblemáticos de trabalho escravo em Alagoas no ano passado?

CL - Foram nas terras da usina Santa Clotilde, que tem sede em Rio Largo. Lá foram libertados cerca de 300 trabalhadores. Esta usina sempre explorou os assalariados da cana e disputa as áreas ocupadas por camponeses sem terra. Um exemplo dessa disputa é fazenda Flor do Bosque, em Messias, onde o conflito durou 8 anos. É comum essas usinas arrendarem áreas nas quais os camponeses sem terra reivindicam, o que acaba gerando vários conflitos.

CPT NE2 - Em municípios como Messias, Colônia, Joaquim Gomes e Flexeiras, por exemplo, predomina a monocultivo da cana, a concentração de terra. É como se não houvesse outra alternativa econômica na região, a não ser cortar cana. Na safra, os canavieiros trabalham em condições desumanas e sem receber seus salários. Na entre safra migram para o Sudeste e Centro-Oeste para o corte de cana e se submetem as mesmas condições. Que ações têm sido feitas por parte do poder público para acabar com esta situação?

CL– Alagoas tem 102 municípios. Destes, 54 plantam cana pra produção de açúcar e etanol. São mais de 410 mil hectares de terra com esse monocultivo. Isto representa 64% da área agricultável do estado. As instituições têm feito pouco, o argumento é de que o estado não tem alternativa. O que se tem feito é fiscalizar as saídas dos assalariados para outras regiões e, mesmo assim, ainda sai muita gente clandestina.

CPT NE2 – O governo argumenta que não tem alternativa, mas a oferta de crédito rural do Governo Federal para a agricultura empresarial nesta safra (2008/09) é, em média, R$ 65 bilhões, e apenas R$ 13 bilhões para a agricultura familiar. Além disso, o Governo prometeu renegociar uma dívida de R$ 3,45 bilhões das grandes usinas junto ao BNDES...

CL - Sim, a opção dos governos é pelo capital. Mesmo com prática de trabalho escravo, os usineiros de alagoas e Pernambuco, por exemplo, reivindicam do governo Lula mais de 600 milhões de reais para sustentar o setor.  O governo tem rios de dinheiro para dar os Usineiros que sonegam impostos e violam os direitos humanos e trabalhistas, submetendo milhares de trabalhadores a escravidão e não tem interesse de realizar a Reforma Agrária.

CPT NE2 – E com que condições os trabalhadores/ trabalhadoras alagoanos deixam suas famílias para tentar ganhar a vida nos canaviais de outras regiões?

CL - É uma realidade dura esta. As famílias, muitas vezes, enviam três ou quatro membros que saem em busca de um salário pra manter a família. Quem fica, normalmente, sofre com a ausência e com a incerteza de retorno dos familiares. É comum os homens constituírem novas famílias e não retornarem mais. Outra realidade são famílias grandes que dependem da bolsa família e dos recursos enviados por quem saiu pra cortar cana. Algumas vezes o dinheiro é depositado na conta de um mercadinho, no qual a família realiza as compras, por exemplo. Assim elas nem tem acesso ao dinheiro, fica tudo no mercadinho.

CPT NE 2 – De que forma a aprovação da PEC do Trabalho Escravo pode contribuir para diminuir a exploração dos trabalhadores?

CL - Serve como punição. Estamos no século XXI e encontramos trabalho escravo, por conta da impunidade. As instituições falharam e permitem que este setor escravize pessoas para garantir maiores lucros. Sendo aplicada pode contribuir pra reforma agrária e garantir as pessoas libertas um recomeço.

CPT NE 2 – Como considera ser possível erradicar de vez a escravidão no campo?

CL - Fazendo a Reforma Agrária de fato. Fiscalizando e punindo quem pratica a escravidão. Parece simples, mas depende de coragem política e de mobilização social para cobrar que uma lei de 1888 seja aplicada após 121 anos de publicação. As elites rurais são resistentes às mudanças e contam com o apoio dos governos pra manter intacta esta realidade perversa. 

 

 

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