Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Primo de Maggi utiliza trabalho degradante, e fazenda pode ser incluída em lista de locais em que há trabalho análogo à escravidão. Grupo Bom Futuro tem como dono Eraí Maggi, primo de Blairo, que não soube dizer se sua empresa negocia com a do parente.

JOÃO CARLOS MAGALHÃES DA AGÊNCIA FOLHA e RODRIGO VARGAS DA AGÊNCIA FOLHA, EM CAMPO GRANDE

O grupo móvel do Ministério do Trabalho libertou 41 trabalhadores rurais submetidos a condições degradantes em uma fazenda de Tapurah (477 km de Cuiabá) arrendada pelo grupo Bom Futuro para o plantio de soja e algodão, que tem como um de seus donos Eraí Maggi, primo do governador de Mato Grosso, Blairo Maggi (PR).

O grupo encontrou trabalhadores em alojamentos precários, usando banheiros em péssimas condições higiênicas e manipulando produtos químicos sem proteção. Quando o agrotóxico era jogado por aviões sobre as plantações, os funcionários eram atingidos.

O Bom Futuro deve ser autuado pelas irregularidades, o que gerará multa e um processo administrativo, no qual a empresa pode se defender. Se for considerada culpada, ela é incluída na chamada "lista suja", índice que concentra as propriedades onde foi encontrado trabalho análogo à escravidão.

José Pedro dos Reis, procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso, participou da ação em Tapurah no último dia 18 e afirmou que, apesar de a empresa "ser bem estruturada", havia uma "discriminação" entre os funcionários. Os que ficavam na fazenda tinham boas condições para trabalhar, diferentemente dos que iam para o campo -como os libertados. "Eles dormiam numa construção de madeira, uns dez homens enfiados num cubículo, deitados em colchões velhos e podres, uma salinha muito abafada e com um cheiro muito ruim", afirmou. "Até os representantes da empresa ficaram abismados com o que viram, mal conseguiram entrar no alojamento devido ao fedor."

Quando estavam na frente de trabalho, para cumprir jornadas de até 12 horas diárias, arrancando raízes ou descarregando cargas, esses funcionários eram obrigados a usar a mata como banheiro e se limpavam com o que havia à mão. Na hora de comer, afirmou Reis, muitas vezes abriam suas marmitas com as mãos ainda sujas de agrotóxicos. Eles não usavam luvas ou botas ao manipular o produto. Uma vez terminada a jornada, tomavam banho em locais imundos, tomados por lodo e dejetos. "Eles reclamaram muito também da falta de proteção e de lugar para comer", disse Pedro dos Reis. Alguns libertados ficaram na região. Outros voltaram a seus Estados (Maranhão e Piauí).

O procurador afirmou que a empresa está com "boa vontade" e considerou a situação uma "negligência dos administradores". "Já vimos lugar muito pior." O procurador disse que foram pagos R$ 110 mil aos libertados, pelos direitos trabalhistas e por danos morais.

O Bom Futuro é um dos maiores produtores de soja e algodão do Estado. Eraí Maggi disse que o grupo já fez diversas melhorias no local. A Amaggi, uma das maiores beneficiadoras de grãos do mundo e da família do governador, disse não poder esclarecer a relação entre as duas empresas. Blairo não soube dizer se sua empresa faz negócios com o primo.

Fazenda já tinha "problemas", diz empresário

DA AGÊNCIA FOLHA, EM CAMPO GRANDE

Eraí Maggi, um dos donos do grupo Bom Futuro, afirmou à Folha que a fazenda já tinha "problemas trabalhistas" quando foi arrendada, há pouco mais de um ano, e que vem fazendo melhorias.

Ainda assim, ele assume que algumas irregularidades persistem na propriedade, que figurou na "lista suja" de fazendas com trabalho análogo à escravidão entre 2005 e 2007. Pela lei, o arrendatário é responsável pela situação dos trabalhadores. "Desde que assumimos, estamos melhorando as condições de trabalho, na medida do possível. Já temos cantina e refeitório de primeira. Agora, é preciso lembrar que faz pouco tempo e que nem tudo pôde ser colocado no padrão."

A qualidade da comida servida no local foi confirmada pelo procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso, José Pedro dos Reis.

Sobre possíveis negócios com a Amaggi, de seu primo e governador Blairo Maggi, Eraí disse que "negocia com quase todo mundo" no Estado, mas não com a empresa da qual Blairo é acionista. "Ele tem o grupo dele, e eu, o meu. Não há relação de compra e venda", disse.

Blairo afirmou não saber dizer se as duas empresas têm negócios, até porque, segundo ele, desde 2002, quando se elegeu governador, se afastou de Rondonópolis (MT), sede da Amaggi. Sobre Eraí, disse que ligou para o primo, com quem tem "boas relações", e que ouviu a mesma versão dada à Folha sobre as irregularidades encontradas pelo grupo móvel do Ministério do Trabalho. "Nós tivemos até um problema político no passado [em 2002], mas hoje está tudo bem", afirmou.

Eraí disse considerar "louvável" a ação do grupo móvel e que pretende seguir todas as recomendações para se ajustar. "Realmente, precisamos fazer algumas melhorias no alojamento", afirmou. (JCM e RV)

Folha de S. Paulo, 25/01/2008.

 

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