Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

 

Aconteceu na tarde de ontem, 18/03, a segunda audiência realizada pelo Ministério Público Federal (MPF) sobre os Inquéritos Cívis Públicos instaurados para investigar o motivo da morosidade e os empecilhos que hoje impedem a criação de Reservas Extrativistas no estado. Na ocasião, foi tratado especificamente sobre o caso do projeto de Reserva Extrativista no estuário do Rio Sirinhaém/PE, que são terras da União. Todos os procedimentos e estudos já foram concluídos pelo Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), mas desde 2009 o projeto encontra-se paralisado aguardando apenas um decreto presidencial para ser efetivado.

 

De acordo com nota oficial enviada ao MPF, o ICMBio informou que para dar prosseguimento à tramitação “o órgão aguarda manifestação formal do Governo do Estado com relação à proposta”. Segundo o Secretário de meio ambiente e sustentabilidade do estado, Élivio Políto, quando os estudos estavam sendo concluídos pelo ICMBio, o Governo Estadual encaminhou ofício ao Ministério de Meio ambiente manifestando discordância no processo de criação de Resex Federal. Dentre os motivos, “é uma opinião do Estado de Pernambuco querer discutir outras Unidades de Conservação para o local”, reconheceu. O fato explicitou o entrave entre os órgãos Federais e estadual e como resultado, paralisou o processo de criação da Resex por mais de seis anos. No entanto, a Secretaria de Meio ambiente reconheceu que não há nada a ser feito legalmente pelo estado que possa interferir nos processos instaurados na esfera Federal.

 

A procuradora Drª Silvia Regina, que acompanha o caso, informou que, dadas as declarações do ICMBio e do Governo estadual, o próximo passo será solicitar ao Instituto Chico Mendes que encaminhe todos os laudos da Resex afim de serem analisados pelos peritos ambientais do MPF. “Passado essa etapa necessária da análise técnica dos estudos, o MPF deverá ou ajuizar uma ação ou recomendar a conclusão do processo em um prazo que será ainda determinado”.

 

Nós pescadores e a população local não queremos nenhuma unidades de conservação criada pelo governo estadual. Queremos a Resex criada pelo órgão que tem a experiência e competência para criar as Reservas Extrativistas no país. Desde 2006 estamos lutando por ela e esperamos que ela se realize o quanto antes”, informou um dos pescadores presentes na audiência. Para os pescadores e pescadoras tradicionais da região, a efetivação de uma Reserva Extrativista Federal garantirá a proteção do ecossistema e o sustento de milhares famílias que vivem da pesca tradicional na região.

 

Enquanto o processo de criação da Resex não se concretiza, permanecem as situações de violência contra os pescadores e pescadoras da região, com registros de ameaças proferidas por seguranças armados da Usina, destruição de pertences e queima de barracas de pesca. Além da violência e de impedir que os pescadores tenham acesso ao mangue de onde tiram seu sustento, também há os diversos casos de crimes ambientais. Nos próprios diagnósticos e laudos ambientais elaborados pelo ICMBio e IBAMA ficaram registrados os impactos e a degradação do estuário e do mangue de Sirinhaém, decorrente da ação conjunta de vários fatores ligados ao modelo econômico da região, em particular, pela ação de degradação ambiental causada pela Usina Trapiche.

 

 

Histórico do Caso de Sirinhaém

 

Em jogo: disputa pelo domínio sob as terras da União - As ilhas de Sirinhaém, localizadas no litoral Sul de Pernambuco era o local onde viviam 53 famílias de pescadores tradicionais, que foram expulsas do local após décadas de pressão intermitente da Usina Trapiche. As terras de manguezal pertencem a União, mas há anos estão aforadas à usina Trapiche. De acordo com o registro oral das famílias, desde 1914 a comunidade pesqueira ocupava as ilhas de Sirinhaém, mas nos últimos 25 anos, estes pescadores passaram a enfrentar um conflito e disputa territorial com o monocultivo da cana-de-açúcar na região. Foi a partir de 1998, com a compra da Usina pelo empresário Luiz Antônio de Andrade Bezerra, que a situação se agravou.

 

A partir daí, a empresa sucroalcooleira intensificou a violência para a expulsão das famílias que residiam no local. Através de ações violentas, perseguições, ameaças e queima de casas, a Usina Trapiche expulsou, uma a uma, as famílias que viviam nas ilhas. Em 2010, a Usina conseguiu, por decisão judicial, retirar das ilhas as duas últimas moradoras que ainda viviam e resistiam nas ilhas. O pedido de criação da Resex vem desde 2006, quando as famílias que moraram nas Ilhas - com o apoio da população local, da Colônia e da Associação de pescadores e de diversas organizações ambientalistas e de direitos humanos, como a Comissão Pastoral da Terra - solicitaram a criação da Resex ao Instituto Chico Mendes (ICMBio) e também ao Ibama.

 

O ICMBio manifestou publicamente o interesse em criar a Reserva Extrativista na área, como forma de proteger o meio ambiente e de garantir que as famílias expulsas pela Usina Trapiche pudessem ser realocadas na área. Todos os estudos e processos administrativos necessários para a criação da Reserva já foram concluídos. Entretanto, o processo de criação da Resex encontra-se paralisado desde 2009 por falta de interesse político e entraves entre o Governo Federal e Estadual.

 

Crimes ambientais – O volume de processos e denúncias que recaem sobre a Usina Trapiche não é pequeno. Apesar de as denúncias serem frequentes, muitas sequer resultam em um processo de fiscalização. No entanto, as que resultaram em multas efetivas para a Usina tornaram-se emblemáticas e comprovam a degradação ambiental praticada pela Trapiche na região. Uma delas aconteceu em 2008, quando o Ministério do Meio Ambiente autuou todas as 24 usinas de cana-de-açúcar de Pernambuco existentes na época, entre elas, a Usina Trapiche, por serem infratoras da legislação ambiental e responsáveis pela destruição da cobertura vegetal nativa, especialmente de Mata Atlântica, além da contaminação dos cursos de água. A fiscalização do Ibama constatou que as usinas pernambucanas não respeitam as reservas legais (de 20% das propriedades, no Nordeste) e estendem as plantações às áreas de preservação permanente (APPs), especialmente às margens dos rios. As usinas foram multadas em R$ 120 milhões, sendo R$ 5 milhões para cada.

 

Em 2009, a Usina Trapiche foi novamente autuada pelo IBAMA, que identificou no Rio Sirinhaém e seus afluentes, dejetos orgânicos, fruto da lavagem industrial da cana de açúcar que estavam sendo despejados pela Usina. Esse material, segundo o IBAMA, é considerado de alto valor poluente, e que foi a causa do morticínio dos peixes e da poluição dos rios da região. Com isso, a Usina Trapiche foi multada em R$ 1 milhão de reais, pelo crime que se enquadra no artigo 54 da legislação ambiental. Em abril de 2011, Tratores da Usina Trapiche foram flagrados abrindo uma estrada clandestina em Sirinhaém. Tal ato provocou destruição e desmatamento da vegetação nativa. A via, com cerca de um quilômetro, é paralela ao Riacho Sibiró, e corta área de Mata Atlântica e de mangue.

 

 

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