Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Em 2024, 17.962 pessoas foram atingidas por conflitos no campo na Paraíba. O número é muito próximo ao de 2023, que registrou 17.991 pessoas envolvidas, o que representa uma leve queda de 0,16%. Mas, por trás dessa estabilidade aparente, os dados revelam transformações profundas no tipo de violência que recai sobre os povos do campo. Um exemplo disso é a explosão das invasões de território, que se consolidaram como a nova face da violência agrária no estado.

Em apenas um ano, o número de famílias vítimas de invasão de território saltou de 383, em 2023, para 3.708 em 2024 — um aumento de quase 870%. Para a Comissão Pastoral da Terra (CPT) da Paraíba, esse dado está diretamente ligado ao avanço de um modelo energético concentrador, que transforma os territórios em espaços de lucro, ignora os modos de vida dos povos tradicionais e impõe decisões autoritárias sobre áreas historicamente ocupadas por comunidades camponesas. 

Energia “limpa” para quem? A dor invisível por trás dos parques eólicos

A maior parte das invasões de território tem relação com a expansão dos parques eólicos na Paraíba. Sob o discurso da “energia limpa”, empresas avançam sobre territórios de produção de alimentos onde vivem agricultores familiares, posseiros assentados da Reforma Agrária e quilombolas, impondo uma presença que altera profundamente o cotidiano de quem vive nessas áreas. As torres com mais de 120 metros de altura, hélices girando constantemente, sombras móveis e o ruído permanente estão afetando diretamente a saúde e o bem-estar das comunidades.

Moradores relatam sintomas como ansiedade, insônia, depressão e até surdez. Muitos passaram a tomar ansiolíticos após a instalação das torres, são sintomas da “síndrome do aerogerador” já pesquisada e identificada pela FIOCRUZ em Pernambuco. Há também quem tenha sido forçado a deixar sua terra, suas plantações e até suas famílias, devido ao impacto físico e psicológico da convivência com os parques. Essa forma de violência, por vezes invisível aos olhos de quem está distante, é sentida literalmente na pele por quem vive nas áreas afetadas. As famílias se sentido prejudicadas em seus direitos e vendo a natureza sendo dizimada, se unem a camponeses de outros estados na construção do MAR – Movimento dos Atingidos pelas Renováveis.

Conflitos por terra diminuem, mas impacto é maior

Em 2024, a Paraíba teve 13 conflitos por terra, uma redução de 38,1% em relação a 2023, quando foram 21. No entanto, o número de famílias atingidas triplicou: passou de 1.459 para 4.422, um crescimento de 203%. Isso mostra que, embora os registros formais tenham diminuído, os conflitos ficaram mais intensos e atingiram muito mais gente.

Os casos ocorreram em municípios como Caaporã, Ingá, Mogeiro, Riacho de Santo Antônio, Patos, Santa Rita, João Pessoa e na região de Alagoa Grande, Massaranduba e Matinhas - estes últimos onde está localizada a comunidade quilombola Caiana dos Crioulos. Também houve registro de conflitos envolvendo povos indígenas nos municípios de Rio Tinto, Baía da Traição e Marcação.

A maior parte dos conflitos por terra ocorreu no Litoral, com 46,2% das ocorrências. O Agreste aparece em seguida com 30,8%, seguido pela Borborema com 15,4% e pelo Sertão, com 7,6%. As principais categorias sociais atingidas foram as famílias Sem Terra, presentes em 61,5% dos registros. Indígenas, quilombolas, ribeirinhos e posseiros também estão entre os atingidos.

Conflitos trabalhistas e pela água apresentam queda

Houve queda também nos casos de trabalho escravo rural. Em 2024, foram registradas 4 ocorrências, com 30 trabalhadores resgatados, entre eles três menores de idade. Em 2023, haviam sido registrados 8 casos, com 62 pessoas libertadas. Isso representa uma redução de 50% nas ocorrências e de 51,6% no número de vítimas. Todos os resgates de 2024 ocorreram em áreas de extração de pedras, nos municípios de Mamanguape e Taperoá.

Os conflitos pela água também apresentaram uma diminuição expressiva. Em 2023, foram registrados 30 casos, com 5.914 pessoas afetadas. Já em 2024, houve apenas uma ocorrência, no município de Monteiro, envolvendo 61 famílias. A redução foi de 96,7% nas ocorrências e de 98,9% nas pessoas atingidas. No entanto, essa queda não significa que o problema foi resolvido. Em muitos casos, há subnotificação, silenciamento e esvaziamento das denúncias, o que pode esconder situações de injustiça hídrica ainda em curso.

Violência silenciosa, mas constante

Mesmo com números relativamente menores no total de pessoas atingidas, a violência no campo paraibano segue presente. Em 2024, foi registrada uma ameaça de morte no Acampamento Canudos, em Riacho de Santo Antônio, contra um jovem de 26 anos. Também foram registrados dois casos de agressão física. 

Conflito entre dois modelos: o que expulsa e o que resiste

Os dados de 2024 escancaram um conflito que vai além das disputas por terra, água ou trabalho. A Paraíba vive um embate entre dois projetos de sociedade. De um lado, o avanço de grandes empreendimentos energéticos e econômicos que concentram terra, poder e riqueza. Do outro, os povos do campo, das águas e das florestas, que resistem, produzem alimentos, defendem seus territórios e lutam por uma vida digna.

Para a CPT, é nesse contexto que se torna cada vez mais urgente fortalecer políticas públicas que garantam a reforma agrária, a proteção ambiental e o protagonismo das comunidades tradicionais nas decisões que afetam diretamente seus modos de vida.

 

Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

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