Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Na manhã da sexta-feira, 05, o coordenador regional da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) de Alagoas, o professor Cícero Albuquerque, recebeu a visita de uma comissão formada por representantes de organizações e movimentos sociais, sindicatos, instituições de ensino e de setores das Igrejas Católica e Batista. As pessoas manifestaram apoio ao professor, que vem sofrendo tentativas de intimidação e até ameaças de morte no exercício de seu trabalho em defesa da demarcação de terras dos povos originários.

Segundo Carlos Lima, coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), além de prestar solidariedade à Cícero, a comissão se colocou à disposição para ajudar na luta pela demarcação das terras das comunidades indígenas do território alagoano.

O grupo redigiu uma carta aberta em apoio a Cícero Albuquerque em que são elencados alguns possíveis motivos do incômodo de grupos contrários ao professor: a maior presença da Funai nas comunidades indígenas; o combate aos crimes ambientais cometidos por não indígenas e indígenas nos territórios e as parcerias com outros órgãos e instituições públicas. O documento lembra, ainda, que a indicação de Cícero para a coordenação da Fundação foi uma construção coletiva dos povos indígenas e dos principais movimentos sociais organizados.

Josealdo Tonholo, reitor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), destacou que o nome de Cícero Albuquerque foi referendado no Consuni – Conselho Superior da Universidade. "Enquanto gestor da universidade, eu gostaria de reforçar que hoje a universidade é uma comunidade com quase 40 mil pessoas que está abraçando o Cícero na integralidade, porque é um membro da nossa comunidade, em que confiamos e sabemos da competência e da seriedade", disse.

A partir de um breve panorama da situação do órgão, a indigenista da Funai, Gabriela Pacheco, falou da importância do apoio. “Agradeço a vocês todos, em nome da pessoa do professor Cícero, porque a Funai nunca teve esse tipo de apoio”, comentou. Segundo ela, a Funai do estado nunca teve aproximação com a academia até a chegada do professor na coordenação regional. “Temos que fazer uma análise dos avanços que a pessoa do professor Cícero tem trazido para a nossa coordenação e para o movimento indigenista de Alagoas”, finalizou.

Entre os presentes na reunião em apoio ao coordenador da Funai/AL estavam dirigentes sindicais da Central Única dos Trabalhadores (CUT), como o presidente Luciano Santos e Lenilda Lima, da secretaria de mulheres; Thiago Miranda, do Sindicato dos Bancários; Débora Nunes, coordenadora nacional do Movimento dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST); Fabiano Duarte, professor do Instituto Federal de Alagoas (Ifal); Amaro Hélio, escritor e professor da Ufal; o economista Cícero Péricles; o indígena Rogério Xukuru Kariri; Irmãs Tereza e Vanda, da congregação Irmãs de São José; o padre Gilvan Neves, coordenador das pastorais sociais da Arquidiocese de Maceió e pároco no bairro da Levada; Zennus Dinys, do Conselho Indigenista Missionário; o pastor Wellington Santos, da Igreja Batista do Pinheiro; além de servidores e das representações já mencionadas.

 

Situação da Funai em Alagoas

Durante a visita dos apoiadores e apoiadoras à sua gestão, Cícero e servidores da Funai relataram os grandes desafios da Funai em Alagoas.

Segundo os depoimentos, a Funai e as pautas dos povos indígenas, com destaque para a demarcação e titulação das terras indígenas, foram abandonadas pelos governos Temer e Bolsonaro. Foram 7 anos muito difíceis.

A mudança no governo federal, a criação do Ministério dos Povos Indígenas e a nomeação de Sônia Guajajara como ministra trouxeram esperança para a política indigenista brasileira. Entretanto, a situação da Funai é crítica em nível nacional e, ainda mais, grave, no estado de Alagoas.

O orçamento da Funai é pífio, especialmente nos últimos anos. Em 2024, o montante subiu 18% em relação ao ano anterior, mas ainda assim é muito baixo: estima-se o recebimento de R$ 744,22 milhões em meio à previsão de receitas e despesas de R$ 5,5 trilhões no Orçamento da União.

Ainda não foi divulgado o valor exato recebido em 2023, mas sabe-se que em 2022 apenas 2% do orçamento da Funai foi destinado ao Nordeste. Propaga-se a ideia de que não há indígenas na região, contudo, o estado de Pernambuco tem quarta maior população de povos originários do país.

Também faltam servidores para atender às demandas. Depois de muitos anos sem concurso, estão abertas 502 vagas para a Funai, porém, a previsão é que aproximadamente esse número se aposente em breve; e nenhuma vaga foi definida para o Nordeste.

A Funai possui 33 Coordenações Regionais (CRs), 240 Coordenações Técnicas Locais (CTLs), 11 Frentes de Proteção Etnoambiental (FPEs), 2 Centros de Trabalho Indigenista (CTIs), um Museu do Índio e uma sede nacional. Para essa estrutura em todo o país há apenas 1200 servidores, contando com concursados e cargos comissionados. O debate atual inclui o questionamento sobre o modelo, que tem muitos cargos de comando, mas não proporciona possibilidade de atendimento às comunidades.

Hoje existe um Grupo de Trabalho constituído para trabalhar uma nova reestruturação da Fundação. Já houve uma reestruturação antes, porém, sem diálogo com os servidores públicos do órgão e com o movimento dos povos indígenas. Há um jogo de interesses que envolve a disputa pelos territórios dos povos.

Em Alagoas, a sede do órgão federal está sob risco de interdição, devido ao abalo na estrutura, repleta de infiltrações, goteiras e problemas na rede elétrica. As condições de trabalho são precárias.

Toda essa realidade, na avaliação da coordenação regional e dos indigenistas no estado, afeta a vida das famílias indígenas, que sofrem com a miséria e a fome na maioria das comunidades. Ainda assim, a Funai segue ativa, com o esforço de servidores, construção de parcerias e, acima de tudo, graças à resistência dos povos das florestas e matas.

Frente a essa dura realidade, a CPT considera fundamental unir forças de toda a sociedade civil organizada, unificar pautas, dialogar e promover ações conjuntas. A defesa da demarcação das terras indígenas, da reforma agrária e das políticas públicas é necessária para promover a dignidade no campo e combater a fome.

 

*Texto e fotos: Lara Tapety 

 

Confira a carta de apoio ao professor Cícero Albuquerque na íntegra:

 

Nós, entidades, instituições, amigos/as, professores/as, membros de movimentos sociais organizados do Estado de Alagoas, manifestamos aqui, publicamente, nosso total apoio ao companheiro e amigo de longa caminhada, Cícero Albuquerque, pelos seus serviços prestados à frente da Coordenação da FUNAI CR NEI.

Os contínuos ataques de setores e grupos contrários ao trabalho desenvolvido por Cícero, fazem parte de um mesmo sentido antidemocrático que tem se espalhado ruidosamente no seio da sociedade brasileira nos últimos anos. Essa situação tem afetado também o interior das comunidades indígenas, particularmente, segmentos que sequestram o título de lideranças e buscam fazer prevalecer seus interesses pessoais - ferindo a autonomia coletiva e promovendo desarmonia comunitária. 

Conhecemos Cícero e acreditamos plenamente em sua fidelidade a luta dos mais pobres em nosso Estado. A indicação de seu nome foi uma construção coletiva dos povos indígenas de Alagoas e dos principais movimentos sociais organizados, ancorada pelo histórico de militante político, homem do diálogo, profundo zelo ético e ser humano extraordinário, dando a Cícero uma nobreza de caráter incomparável.

Sabemos que não existe entre os grupos contrários ao seu trabalho uma pauta coletiva de reinvindicações, diálogo com as comunidades, ou mesmo preocupação com a defesa verdadeira dos povos indígenas, mas tão somente, luta por cargos, prestígio e busca de poder local.

Cícero Albuquerque tem incomodado aqueles que discordam de uma FUNAI que se faz presente nas comunidades indígenas, identifique os problemas, encontre soluções, avence nos processos de demarcação das terras, amplie direitos e favoreça o bem viver indígena.

Seu trabalho na função de coordenador regional da FUNAI, se consolida no campo do diálogo respeitoso e imensa capacidade técnica, acolhendo as diversas pautas das lideranças, homens, mulheres, jovens e crianças indígenas.

Tem incomodado alguns, seu combate aos crimes ambientais cometidos por não indígenas e indígenas nos territórios. O fato de favorecer articulação com outros órgãos púbicos (Emater, Ministério de Desenvolvimento Social) e parcerias entre instituições (Universidades, movimentos sociais) é um ganho que há décadas se esperava da FUNAI e agora se concretiza nas ações de Cícero, evidenciando, acertadamente, seu compromisso com a luta dos povos indígenas no campo da educação, meio ambiente, cultura, projetos agrícolas e demarcação dos territórios.

Por tudo isso, manifestamos, publicamente, nosso apoio ao companheiro Cícero Albuquerque, colocando-nos mais uma vez ao seu lado, na defesa do estado democrático, garantida de direitos, proteção do planeta e a favor da vida dos povos indígenas brasileiros.

 

Palmeira dos Índios – AL, 2 de abril de 2024.

 

Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

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