Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

O bispo de Barra (610 km de Salvador, BA), dom Luiz Flávio Cappio, 60, iniciou na manhã de ontem uma nova greve de fome contra a transposição das águas do rio São Francisco. D. Luiz Cappio protesta contra obra no São Francisco e diz que Lula não cumpriu palavra. Presidente diz que bispo o obriga a escolher entre ele e 12 milhões que precisam de água: "E não tenha dúvida que eu ficarei com os pobres"

Por, FÁBIO GUIBU - DA AGÊNCIA FOLHA, EM RECIFE

O religioso, que em 2005 permaneceu 11 dias em jejum em Cabrobó (PE), escolheu desta vez uma capela em Sobradinho (BA) para protestar. Segundo ele, o governo "não cumpriu o que prometeu" ao negociar o fim do primeiro protesto: "Ele prometeu suspender o projeto e debater com o população, mas a resposta foi o início das obras, usando o Exército", declarou.

Ele está na capela de São Francisco, a cerca de três quilômetros do rio. No local, ele fez sua última refeição, às 7h30: café, pão com manteiga e pedaços de melancia e melão. Desde então, bebe apenas água. Sua nova rotina incluirá a celebração de uma missa por dia, às 19h.

O início do novo jejum ocorreu no mesmo instante em que representantes da CPT (Comissão Pastoral da Terra) anunciavam, em Brasília, o encaminhamento de uma carta assinada por Cappio ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No documento, datado de 4 de outubro, o religioso faz duras críticas ao presidente: "O senhor não cumpriu sua palavra. O senhor não honrou nosso compromisso. Enganou a mim e a toda a sociedade".

Em entrevista ao "Jornal da Record", Lula criticou a decisão: "Lamento, porque a primeira vez que ele esteve comigo, dois anos atrás, o que ele reivindicava é que nós fizéssemos uma revitalização do rio São Francisco. Nunca houve a quantidade de investimento que o governo federal está fazendo para recuperar o rio São Francisco. O bispo me coloca em uma situação complicada. Porque eu tenho de escolher entre ele, que está fazendo uma greve de fome premeditada, e 12 milhões de nordestinos no Rio Grande do Norte, na Paraíba, em Pernambuco e no Ceará que precisam da água para sobreviver. E não tenha dúvida que eu ficarei com os pobres".

Na carta ao presidente, o bispo anunciou o reinício da greve de fome e condiciona o fim do protesto à retirada do Exército dos eixos norte e leste da transposição e o arquivamento "definitivo" do projeto e justifica sua disposição de manter o jejum por tempo indeterminado: "Quando Jesus se dispôs a doar a vida, não teve medo da cruz".

Em junho passado, durante a invasão do canteiro de obras da transposição em Cabrobó, o bispo de Barra esteve no local e conclamou os 1.200 manifestantes a resistirem. "Mesmo que os inimigos vierem armados com as armas da morte, vamos responder com as armas da vida", afirmou. "O governo se tornou a voz de um pequeno grupo da elite e, infelizmente, o presidente Lula se tornou refém do capital internacional."

O presidente da CNBB, d. Geraldo Lyrio Rocha, e o secretário-geral, d. Dimas Lara Barbosa, divulgaram nota na qual dizem ter clareza de que "a transposição do rio São Francisco traz consigo muitas implicações, não havendo unanimidade nem mesmo na Igreja", mas esperam "que o diálogo se estabeleça a fim de que a vida e a justiça prevaleçam sobre quaisquer outras razões".

"Agora não vai ter barganha", diz dom Luiz Cappio

O bispo de Barra (610 km de Salvador), dom Luiz Flávio Cappio, 60, afirmou estar disposto a manter o jejum até a morte, caso seja preciso. Por telefone, Cappio disse à reportagem que "ninguém" concorda com seu protesto, mas afirmou que desta vez não recuará. Leia, a seguir, trechos da entrevista. (FG)

FOLHA - Qual o limite do protesto?

LUIZ FLÁVIO CAPPIO - Até o fim.

FOLHA - Até a morte?

CAPPIO - Claro, se for preciso. O rio e o povo merecem.

FOLHA - O sr. consultou as instâncias superiores da igreja?

CAPPIO - Consultei, sim, conversei, mas, na minha opinião, a gente é senhor da própria vida. Deus nos deu a vida para que ela seja doada. Ninguém está de acordo comigo, porque ninguém quer ver o irmão ser sacrificado, mas, se for preciso, eu estou aqui para essa prova.

FOLHA - Mesmo que as instâncias superiores proíbam, o sr. está disposto a manter a greve? CAPPIO - Estou, sim. Comuniquei a nunciatura apostólica, que representa o santo padre, comuniquei a CNBB, meu arcebispo, todos. E todos me aconselham a não fazer isso, porque têm muito amor e me querem vivo. Mas respeitam meu gesto.

FOLHA - Há espaço para negociação com o governo?

CAPPIO - Não. Agora não vai ter barganha. É definitivo.

Ministro critica nova greve de fome de religioso

O ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, disse ontem que a nova greve de fome do bispo da cidade de Barra (BA), dom Luiz Flávio Cappio, "parece chantagem". Segundo ele, o governo federal não vai paralisar as obras de transposição das águas do rio São Francisco nem negociar o fim do protesto. "Lamento profundamente que Cappio tenha enveredado por esse caminho, contrariando o dogma da igreja de que atentar contra a própria vida é pecado", disse Geddel, em entrevista por telefone.

Segundo Geddel, sua única iniciativa foi entrar em contato ontem com o governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), "para pedir a ele que deixe uma estrutura médica à disposição do bispo Cappio".

O ministro rebateu a acusação do religioso, de que o governo federal teria se recusado a discutir o projeto. Disse que quando assumiu o ministério, em março, convidou o bispo para conversar, mas ele não veio.

Sobre a chance de um acordo para acabar com o jejum, Geddel disse: "Não tem o que negociar, a forma como ele está colocando parece chantagem". Ainda de acordo com o ministro, as obras não vão parar por causa disso. "Resta apenas lamentar e pedir a Deus pela sua misericórdia, e que devolva o bom senso a Cappio", declarou Geddel. (FG) FOLHA DE SÃO PAULO – 28/11/2007

Bispo de Barra volta a fazer greve de fome

Hércules Barros - Da equipe do Correio

Dois anos depois da primeira greve de fome contra as obras de transposição do Rio São Francisco, o bispo diocesano de Barra (BA), dom Luiz Flávio Cappio, retomou ontem o jejum. Dessa vez, o frei prometeu radicalizar o protesto em oposição às obras no Velho Chico, iniciadas em agosto passado. Cappio diz que só suspenderá a greve de fome após a retirada do Exército da região e o arquivamento do projeto pelo governo. O ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, considerou a atitude do bispo lamentável e pediu ao governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), que coloque um médico à disposição do religioso.

“Lamento profundamente que o bispo (Cappio) tenha enveredado pela falta de bom senso e contrário aos princípios da Igreja”, afirmou o ministro. Católico, Geddel lembrou os ensinamentos da Igreja adotados contra a legalização do aborto para criticar a iniciativa extremista de Cappio. “Ninguém é dono do próprio corpo para decidir pela própria vida”, ponderou.

Segundo o ministro, o governo federal não tem intenção de interferir na atitude do religioso porque não consegue dialogar com ele. Geddel contou que quando tomou posse, em 16 de março, chamou Cappio para uma conversa, mas ele não teria aceito o convite. O ministro lembrou também que o bispo preferiu se ausentar de Barra quando passou pela Bahia durante viagem pelo Rio São Francisco explicando a intenção da obra aos moradores da região.

A nova manifestação de dom Cappio foi anunciada oficialmente em Brasília por meio de carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O documento foi protocolado na manhã de ontem, no Palácio do Planalto, pelo conselheiro da Comissão Pastoral da Terra (CPT), dom Tomás Balduíno. “O diálogo tem de ser muito mais amplo do que audiências públicas”, ressaltou o religioso ao defender a decisão de Cappio de retomar o jejum.

Na carta, Cappio reclama do descaso do governo com as alternativas de abastecimento de água para toda a população do semi-árido apresentadas pelos opositores ao projeto federal. O religioso afirma que a decisão de retomada da greve de fome foi tomada porque não foi honrado o compromisso assumido em 2005 de “suspender o processo de transposição e iniciar um amplo diálogo — governo e sociedade civil.” À época, o acordo assinado por ele e o então ministro Jaques Wagner pôs fim aos 11 dias de jejum.

Até 2010, o governo pretende investir R$ 6,6 bilhões na construção de dois eixos, norte e leste. A abertura dos canais vai verter água do Rio São Francisco a partir dos municípios pernambucanos de Petrolândia e Cabrobó, em direção ao Nordeste Setentrional. Com a transposição do rio, o presidente Lula espera matar a sede de cerca de 12 milhões de pessoas.

 

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