Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

No próximo 7 de setembro se completam 200 anos da proclamação formal da Independência do Brasil, às margens do rio Ipiranga. Dois séculos depois, o dia parece condensar a tensão política no país às vésperas de um pleito atípico. A comemoração conta com a chegada do coração de Dom Pedro I, trazido de Portugal e exposto em Brasília; ato de tom golpista convocado por Bolsonaro no Rio de Janeiro; e manifestações de movimentos populares pelo Brasil.  

Convocatória do ato chama “o povo para descer das arquibancadas dos desfiles cívicos e militares e participar, ativamente, na luta por seus direitos”. Arte: Grito dos Excluídos

Por Gabriela Moncau
Do Brasil de Fato

Engrossando o caldo, a data é marcada pela 28ª edição dos atos do Grito dos Excluídos e das Excluídas, sob o eixo “Brasil: 200 anos de (In)dependência. Para quem?”.

O objetivo é reverberar a voz dos que não foram incorporados a esse Brasil considerado independente. Com o tema permanente “Vida em primeiro lugar”, o Grito tem marchas previstas em todo o país (confira a lista ao final desta matéria).  

Desde 1995, a manifestação faz do 7 de setembro uma data de luta, exatamente pelo avesso do orgulho nacionalista que a versão militar e institucional busca emplacar. A ideia de fazer um contraponto ao “Grito do Ipiranga” surgiu há 28 anos durante 2ª Semana Social Brasileira, evento da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), cujo lema era “a fraternidade e os excluídos”.  

Momento crítico 

“É simbólico que a gente esteja realizando o Grito no momento mais grave que o país vive desde a sua redemocratização. Questionar e refletir sobre as bases fundantes da nação brasileira tem muito a ver com o que a gente está vivendo”, avalia Ângela Guimarães, presidenta da União de Negras e Negros pela Igualdade – UNEGRO e integrante da Coalizão Negra por Direitos. 

Em coletiva de imprensa realizada nesta quinta-feira (1), Ângela afirmou que “a luta por liberdade e por independência nunca se completou. A construção da nossa soberania é um projeto em disputa na sociedade”.  

Para Dom José Valdeci Santos Mendes, bispo de Brejo (MA) e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para Ação Sócio Transformadora da CNBB, o bicentenário da Independência faz refletir sobre “a situação que estamos enfrentando”. 

“Estou pensando na situação dos povos negros, dos quilombolas, dos que estão na periferia e que ao longo da nossa história foram sempre deixados de lado”, diz. “Por outro lado eu vejo o Grito dos Excluídos como um momento importante de retomarmos nossos compromissos, sobretudo com a justiça e os direitos.”

“Hoje o nosso grito não vem de alguém montado num cavalo às margens do rio”, atesta o bispo maranhense. “O nosso grito é também o grito do rio que está sendo aterrado e envenenado, é o grito das florestas sendo derrubadas e de tantos irmãos e irmãs que lutam por vida com dignidade.”  

“O nosso grito vem do nosso coração. Que está no nosso corpo. E não, com todo o respeito, de um coração que vai passando de mão em mão”, completa Dom José. 

“Que esse grito ecoe” 

Márcia Mura, do povo Mura, de Baixo Madeira (RO) e integrante do grupo Wayrakuna, formado por mulheres indígenas, também participou da coletiva. “Nós lutamos para continuarmos livres e independentes desde a chegada das caravelas”, recordou. 

A indígena Mura mencionou dois projetos de empreendimentos que estão, nesse momento, ameaçando o território das comunidades tradicionais em Rondônia: o de uma hidrelétrica binacional entre Brasil e Bolívia no rio Mamoré e a hidrelétrica de Tabajara, prevista para barrar o rio Machado.  

“Todos que estão nesse ato podem tomar conhecimento do que está acontecendo e lutar junto contra esses projetos que são ditos desenvolvimentistas, mas que só nos trazem morte”, defende Márcia. “Porque independente de esquerda ou direita, enquanto houver a política neoliberal como prioridade, nós – povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, de periferia – vamos ser o alvo”, afirma. 

“A gente quer que esse grito ecoe pelo mundo inteiro. Não porque a gente não sabe lutar ou defender nosso território. A gente faz isso há 522 anos”, salienta a Márcia Mura: “Mas essa luta precisa ser do mundo inteiro porque ao defender nossos territórios, defende-se a vida do planeta”.  

 

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