Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

A Contag divulga o último artigo de uma série de cinco sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade 7052, proposta pela Confederação em parceria com a CPT, que trata das transferências de terras da União aos estados do Amapá, de Rondônia e de Roraima. Os artigos explicam os objetivos desta ação, o que é uma ADI, sobre a legislação vigente de transferência de terras, a destinação para a reforma agrária e a obrigação dos estados.

Este quinto e último artigo, produzido pelo Dr. Manoel Lauro Volkmer de Castilho, trata da transferência de terras federais da União e a obrigação dos estados. “Em suma, a transferência de terras federais aos estados implica naturalmente na responsabilidade das administrações estaduais na mesma medida que a União tem em relação as suas terras rurais, e assim os estados tanto devem obediência a legislação federal quanto aos normativos estaduais, de modo que as leis federais como as estaduais que disciplinam o patrimônio de cada qual devem ser interpretadas consoante manda a Constituição Federal”, destaca trecho do artigo. Confira:

 

A transferência de terras federais da União e a obrigação dos Estados 

Em considerações anteriores foi dito que a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.052, ajuizada pela CONTAG no STF, tem o propósito de fazer o Tribunal mais alto do País declarar que a aplicação das Leis 10.304/2001, 13.465/2017 e 14.004/2020, que autorizaram a transferência de terras federais aos estados, só será válida se respeitar todos os requisitos e pressupostos contidos na Constituição, os quais basicamente são os que dizem respeito à destinação para a reforma agrária e a justa distribuição das terras rurais de domínio e administração federal, antes ou depois de serem efetivamente transferidas, a preservação das ocupações indígenas e quilombolas e a das áreas de conservação ambiental.

Além da transferência por isso elas definiram a exclusão das terras federais destinadas ao serviço público federal ou a defesa e proteção do país, de tal modo que as glebas aptas a transferência coincidem com as que, enquanto ainda não transferidas, destinam-se logica e formalmente aos programas federais de reforma agrária (art. 188 Constituição).

Com relação às terras recebidas nessas condições, pois, é certo que os estados de Roraima, Amapá e Rondônia não poderão direciona-las a finalidades diversas que os da reforma agrária ou da distribuição fundiária.

Por força do art. 25 da Constituição, os estados devem observar a mesma inspiração constitucional das terras da União mantendo ainda a rigorosa observação da clientela legalmente prevista, tal qual fosse bem público federal, aliás, como já determina sua própria lei local.

No caso de Roraima, a Lei estadual nº 976, de 14 de julho de 2014, com a redação que lhe deu a Lei estadual nº 1.351, de 14 de novembro de 2019, arts. 17 e 65; no caso de Amapá, a Lei Complementar nº 110, de 15 de janeiro de 2008, art. 17; e no caso de Rondônia, a Lei nº 4.892, de 27 de novembro de 2020, art. 7º c/c art. 1º e § 2º.

A compreensão natural, pois, é de que se essas terras permanecessem no domínio federal se destinariam à reforma agrária e, portanto, uma vez transferidas aos estados igualmente devem ser aplicadas em destinação idêntica ou semelhante.

Essa é, sem dúvida, a decorrência lógica e necessária e essa movimentação patrimonial, ante as disposições constitucionais referidas, nesse sentido não altera a natureza e vocação das ditas terras.

Ora, se as terras federais identificadas e demarcadas como determina a lei que autoriza a transferência – apesar de a Lei 14.004 ter flexibilizado de modo inconstitucional essa obrigação – passam para o patrimônio estadual, tal operação transfere também o mesmo encargo administrativo aos estados.

Assim, porque as terras só podem ser efetivamente transferidas depois de identificadas e demarcadas pela União, o que implica em instauração e realização do prévio processo de discriminação pelo qual identificam-se e separam-se as terras transferíveis de outras de propriedade particular ou destinadas a interesses ou finalidades públicas federais.

De qualquer sorte, acaso depois de transferidas vierem a nelas serem identificadas ocupações ou presença indígena ou quilombola, ou afetação ambiental, os estados devem promover a ressalva ou separação delas do seu próprio patrimônio e dar aplicação à distribuição fundiária como resultante da transferência recebida da União ou a destinação correspondente.

A discriminação das terras é requisito prévio indispensável para a realização da transferência das terras federais porque é pressuposto necessário para saber se as terras podem ser transferidas ou estão excluídas.

A discriminação, no entanto, precisa desenvolver-se obedecendo certas exigências legais e lógicas. A principal delas é o chamamento público dos interessados através do qual terceiros com interesse direto ou indireto podem apresentar as eventuais provas ou títulos de sua pretensão sobre as terras.

Mais que isso, em qualquer caso cabe, a União antes e aos estados depois, a obrigação de consultarem as comunidades indígenas ou quilombolas ou outras que tenham direito constitucional sobre as terras.

Esse dever de prévia consulta é decorrência natural da garantia constitucional da propriedade indígena e quilombola, mas também responsabilidade do Brasil e, portanto, também dos estados, como firmatário de Convenções e Tratados internacionais pelos quais se comprometeu a respeitar tais comunidades. Não pode a União promover a transferência de suas terras sem a prévia audiência dessas populações.

Cumpre à União e aos estados o respeito ao compromisso e a responsabilidade administrativa e jurídica de atender a todas essas exigências, pena de ofensa tanto aos direitos respectivos como ao regime constitucional, convencional ou internacional de que desfrutam essas populações.

Do mesmo modo cabe à União e aos estados nas hipóteses referidas o respeito aos direitos e garantias de direito público subjetivo de proteção ambiental. Ou seja, a separação das terras a serem transferidas deve observar a vocação ambiental delas quando assim se apresentar a situação prevista na Constituição (art. 225, §1º, especialmente incisos III e VII) e exclui-las.

Como todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, as terras que se destinem a essa finalidade não podem ser transferidas pela União e se porventura inadvertidamente o forem devem ser preservadas pelos estados para a mesma finalidade.

Em suma, a transferência de terras federais aos estados implica naturalmente na responsabilidade das administrações estaduais na mesma medida que a União tem em relação as suas terras rurais, e assim os estados tanto devem obediência a legislação federal quanto aos normativos estaduais, de modo que as leis federais como as estaduais que disciplinam o patrimônio de cada qual devem ser interpretadas consoante manda a Constituição Federal.

Esse em resumo, é o objetivo da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.052 para interpretação conforme que a CONTAG apresentou ao Supremo Tribunal Federal. 

Dr. Manoel Lauro Volkmer de Castilho

 

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