Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Enquanto a indústria da cana vive expansão no mercado interno e externo, os cortadores são mal pagos e precisam trabalhar mais pelo mesmo valor. A produção brasileira na safra de cana-de-açúcar em 2006/2007 deve ser a maior da história, estimada em 469,8 milhões de toneladas. O volume será superior em 8,9% o da safra anterior, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Na outra face dessa história, estão os trabalhadores que cortam toneladas e toneladas de cana por dia. Certamente, o aumento do faturamento com o "sucesso" da indústria de açúcar e de álcool não vai lhes favorecer. De acordo com a professora Maria Aparecida Moraes Silva, do departamento de sociologia da Unesp de Araraquara, as usinas aumentam a produção às custas da super-exploração da força de trabalho. "Os salários dos trabalhadores continuam muito baixos e o pagamento, feito por produção", revela. Segundo Maria Aparecida, os trabalhadores tiveram que aumentar muito a produtividade desde a década de 80, quando eram exigidos o corte de 5 a 8 toneladas por dia. Em 1990, a meta passou para 8 a 9; em 2000 para 10; e em 2004 chegou a até 15 toneladas. "Para alcançar essa produção, são necessários 9,7 mil golpes de podão (tipo de foice) por dia, o que exige um gasto de energia muito grande". Além disso, a professora explica que o trabalho no corte da cana é caótico: "não há uma regulamentação única para a medição da produção a tal ponto que os trabalhadores nem sabem ao certo quantas toneladas contam por dia", afirma. Excesso de esforço O ganho por produção obriga os cortadores a fazer esforço em demasia, e leva a problemas de saúde, como tontura, náusea, desmaio e até mortes. De acordo com a irmã Inês Facioli, da Pastoral do Migrante de Guariba, entre as safras 2004/2005 e 2005/2006 (de maio a outubro), morreram 10 cortadores de cana na região canavieira de São Paulo por excesso de trabalho. O motivo é que os bóias-frias se sentem pressionados a trabalhar cada vez mais e vivem em condições de moradia e alimentação desumanas. "A raiz do problema é a intensidade da exploração. Eles precisam trabalhar mais e mais para tentar ter renda", diz Maria Aparecida. Aliado a isso, está a carência nutricional, que agravada pelo excesso de esforço, colabora com o aumento de acidentes de trabalho, "além das doenças das vias respiratórias, dores nas colunas, tendinites, cãibras, produzidas pela perda de potássio em razão dos suores". Em alguns lugares, os trabalhadores denominam por birola a morte provocada pelo excesso de esforço no trabalho. Expansão da agroindústria Enquanto a exploração dos trabalhadores segue, a produção sucroalcooleira vive seus melhores tempos. O açúcar brasileiro se valorizou no mercado internacional, e no mercado interno, o aumento no número de carros tipo flex também fez crescer a busca por álcool combustível. As previsões apontam que, até a safra de 2010, 89 novas usinas serão implantadas no Brasil. Os lucros da indústria devem chegar a R$ 49 bilhões na próxima safra, segundo estimativas. No entanto, nem uma parte dos lucros da indústria deve chegar ao bolso dos trabalhadores. Eles irão receber os mesmos R$ 0,14 por metro cortado, o que no final do dia dá de R$ 25 a R$ 35, dependendo do esforço feito. Hoje, o piso dos cortadores em São Paulo é de R$ 410. De acordo com a professora Maria Aparecida, "este é o paradoxo dos dois mundos da sociedade contemporânea. O trabalho que produz esta enorme riqueza é o mesmo que mutila e mata os trabalhadores". Propostas Para melhorar a qualidade de vida e remuneração dos cortadores de cana, uma das ações mais importantes que devem ser tomadas é acabar com o pagamento por produção. Para representantes do Ministério Público do Trabalho (MPT), só a modificação no sistema de pagamento vai evitar mortes por excesso de esforço. Assim, o MPT quer proibir a partir da safra de 2007 o pagamento por produção. Ao longo desse ano, as usinas vão negociar com sindicatos uma nova forma de remuneração. A medida preocupa trabalhadores, que temem ter sua renda mensal diminuída. Algumas mudanças propostas pelo MPT que foram implementadas em algumas usinas são pausas para a alimentação e um descanso de 15 minutos no período da tarde. "Porém, como o trabalho continua sendo pago pela produtividade, os cortadores estão com medo de ganhar menos no final do mês", afirma irmã Inês, da Pastoral de Guariba. Usineiros se aproveitam do desemprego Só de Timbiras, no Maranhão, cerca de 6 mil moradores deixaram sua cidade para trabalhar nas usinas de cana-de-açúcar em São Paulo A falta de alternativas de trabalho em cidades do Nordeste e Minas Gerais empurra os trabalhadores para os Estados onde a indústria sucroalcooleira está em expansão, como São Paulo e Goías. De acordo com irmã Inês, da Pastoral do Migrante de Guariba, houve um aumento do número de migrantes vindos do Nordeste para a atual safra. "Por conta disso, passamos por algumas situações preocupantes". De acordo com ela, por conta do excesso de mão-de-obra, muitos trabalhadores foram dispensados pelas usinas. Uma delas, a Usina Bonfim, dispensou 90 pessoas após realizar exames de sangue e constatar que elas tinham Mal de Chagas. "Eles se submetem a essa situação porque na região de onde vem não há trabalho", conta Inês, que afirma que 70% dos trabalhadores da cana na região de Ribeirão Preto (que abrange 86 cidades) são migrantes temporários, vindos de estados como Minas Gerais, Maranhão, Piauí, Ceará, Bahia e Alagoas. "A previsão é que 6 mil pessoas do município de Timbiras (MA) tenha vindo para São Paulo nessa safra". Fonte: Brasil de Fato, por Tatiana Merlino

 

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