Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Gerson Teixeira faz uma análise do relatório da Câmara dos Deputados  sobre os impactos da crise financeira internacional na agricultura brasileira.
Comissão Especial da Câmara dos Deputados Criada para Avaliar e Propor Medidas sobre os Impactos da Crise Financeira Internacional sobre a Agricultura Brasileira.

Comentários sobre Parecer do Relator - (Deputado Abelardo Lupion –DEM/PR)

Responsável: Gerson Teixeira*

Brasília, julho de 2009

Esta Nota comenta o Relatório de autoria do Deputado Abelardo Lupion (DEM/PR), divulgado no dia 07/07/2009, relativo às conclusões das atividades da Comissão Especial da Câmara dos Deputados Criada para Avaliar e Propor Medidas sobre os Impactos da Crise Financeira Internacional sobre a Agricultura Brasileira.

O conteúdo do Relatório não surpreendeu. É uma peça rara de afirmação ideológica e de manipulação política. Caso aprovado, como provavelmente deverá ocorrer, mesmo com alterações pontuais, o texto do citado parlamentar será transformado em documento oficial da Câmara dos Deputados, a ser enviado para a devida consideração pelo Poder Executivo e, claro, pelo Congresso.

O texto pega carona numa relevante iniciativa do Legislativo para desvirtuar o seu objeto e transformá-lo em guarda-chuva das demandas de sempre, e daquelas mais indigestas que integram o núcleo da agenda dos setores mais conservadores do agronegócio brasileiro. Nestes termos, para dar encaminhamento objetivo às suas propostas, o Relatório inclui entre as principais medidas para mitigar os efeitos da crise internacional sobre a agricultura, já na correspondente forma regimental para tramitação:

a) Proposta de Emenda Constitucional (PEC), para que a criação de unidades de conservação passe a depender de anuência pelo Poder Legislativo. O que isto tem a ver com a crise? Tem, apenas, com as estratégias atuais obsessivas do agronegócio pelo desmonte da política ambiental;

b) PEC para que a demarcação de terras indígenas se faça por Lei. Equivalente ao caso anterior. O que tem a ver coma crise? Pretendem remover as cercas dos territórios indígenas para a livre expansão do agronegócio. A proposta abriga uma das lutas principais que o agronegócio tem travado no Congresso;

c) PEC para que os títulos das propriedades quilombolas passem a ser emitidos por Lei. Aplicam-se o questionamento e as finalidades anteriores;

d) Projeto de Lei (PL) para, ‘simplesmente’, habilitar os bancos privados a conceder (com recursos do Tesouro, por suposto), subvenção de encargos nas operações de crédito rural. A FEBRABAN deve ter ficado eufórica. Seria um baile para os bancos e o agronegócio, mas quem ‘dançaria’ mesmo seria a ‘viúva’;

e) PL para prorrogar as parcelas de 2009, das dívidas rurais renegociadas um dia desses; no final de 2008. Esta não podia faltar; integra o cardápio permanente dos ruralistas desde 1992. Era tão previsível que a antecipamos em texto que elaboramos sobre a matéria, no mês de abril;

f) PL para isentar o transporte de fertilizante da incidência do Adicional do Frete de Marinha Mercante (FRMM). Trata-se de demanda antiga do agronegócio para subsidiar os fertilizantes e reduzir custos de produção;

g) PL para zerar alíquotas do PIS/CONFINS sobre sal mineral e ração. Lobby permanente dos pecuaristas, com ou sem crise;

h) PL para que 40% do leite adquirido pelo PNAE seja ‘leite flúido’ Mesmo lobby anterior.

Além das propostas acima, o Relatório inclui várias outras. Destaco:

a) Recursos da ordem de R$ 120 bilhões para a safra 2009/2010, para que se obtenha volume de 140 milhões de ton. O recente Plano Agrícola do governo já garantiu R$ 107.5 bilhões, montante tido pelo MAPA como suficiente para a produção de 144 milhões de ton na próxima safra;

b) R$ 273 milhões para a subvenção do prêmio do seguro rural. É o mesmo valor proposto pelo governo e tramita no Congresso;

c) Criação de fundo garantidor de operações de crédito rural. Querem a estatização dos riscos dos financiamentos do agronegócio;

d) Redução dos atuais encargos do crédito rural, para 5% no custeio e 4.5% nos investimentos. O MAPA fez essa proposta para o Plano Agrícola, mas não foi acatada pelo MF em virtude da queda das receitas tributárias;

e) Redução de tributos sobre bens de capital de uso na agricultura. Demanda já atendida pela recente MP 465;

f) Redução de tributos sobre insumos e facilitação de importações de fertilizantes. O propósito é o de sempre: baixar custos. Sobre os fertilizantes cumpre destacar que o plano do governo, constante no Plano Agrícola, é o de buscar a redução da dependência do país, ativando a produção interna das matérias primas dos fertilizantes em substituição às importações. Vale lembrar que os fertilizantes já fazem parte da lista de exceção do Mercosul;

g) Facilitar importações de agrotóxicos. Lembrar que o Brasil passou a ser o maior país do mundo na utilização de agrotóxicos;

h) Querem a retomada da Rodada Doha. Sugiro encaminhar a solicitação para o Barack Obama, Jorge Durão e o Pascal Lammy;

i) O Relatório quer que a CAMEX reduza o imposto de importação sobre couros. Puro lobby seccional;

j) Inclusão da cana na PGPM (competir com alimentos até nos recursos públicos para a comercialização?), fornecimento de capital de giro para usineiros em dificuldades e prorrogação de dívidas dos produtores de cana. Sem comentários!!!!!!!!

k) O lobby dos venenos atuou pesado. O Relatório pede, além das medidas antes assinaladas: maior celeridade no registro de agrotóxicos; laudos rigorosos para a impugnação ou não aceitação de registros de agrotóxicos; e que somente pode haver suspensão de registro de agrotóxicos por decisão conjunta do MAPA, IBAMA e ANVISA, ou seja, aposta-se no veto do MAPA ao veto a qualquer veneno, por mais tóxico e lesivo que seja.

Em suma, o Relatório está descolado da sua finalidade. Mesmo porque, os contorcionismos técnicos presentes no texto não foram capazes de demonstrar o improvável, ou seja, de demonstrar a crise no agronegócio em decorrência dos impactos da crise econômica internacional. Diga-se que esta afirmativa não consta apenas dos resultados das análises que temos feito sobre a matéria desde o início dos trabalhos da Comissão. São partilhadas, também, por lideranças da classe e pelos ex e atual Ministro da Agricultura que manifestaram tal posição nos respectivos pronunciamentos na Comissão

Comentários adicionais sobre o conteúdo do documento:

1. seção 1: caracterização geral da crise: a crise agrícola por conta da crise internacional é tanta que bastaram seis parágrafos vazios para (não) demonstrá-la. Nesse curto e precário espaço, proliferaram impropriedades, como:

a) a retração do crédito privado no 2º semestre/2008 – não menciona ‘os 10 bi extra’ do BNDES, afora os 67 bilhões do Plano Agrícola 2008/2009;

b) bruscas oscilações do câmbio – a forte valorização cambial beneficiou tremendamente o agronegócio exportador;

c) quebra de safra – na maior cara dura responsabilizam, também, a crise internacional pela quebra de safra 2008/09 quando se sabe que isso foi resultado da seca no sul e MS. Inclusive, quando dos impactos na agricultura nos meses de setembro/outubro os planos de plantio já estavam definidos e em execução;

d) a desvalorização do Real teria sido neutralizada pela por 3 fatores: queda nos preços internacionais; quedas nas exportações e custo mais elevados dos insumos importados. Vejamos:

Queda nas exportações – não procede. Ver a respeito: A Crise do Agronegócio – 2ª Parte (Gerson Teixeira, junho/2009) e os registros da exposição do Ministro da Agricultura na Comissão Especial;
Queda nos preços internacionais - Ver figura abaixo na qual se percebe que a queda de preços internacionais foi tímida e os mesmo se mantêm em níveis muito acima da média histórica (para mais detalhes, consultar o texto antes referido). Índice de Preços de Exportação do Agronegócio, Evolução Média Trimestral (jan a mar) – 2000 a 2009 (Fonte: CEPEA/ESALQ/USP);

Custos mais elevados dos insumos – a queda brutal nos preços do petróleo entre outros fatores associados à crise econômica mundial não favorecem o diagnóstico. Ver a respeito ‘A Crise do Agronegócio’, antes citado.

Na reunião de hoje, dia 08/07, o Parecer do Deputado Abelardo Lupion não conseguiu ser aprovado, por conta do pedido de vistas feito pelo Deputado Beto Faro (PT/Pa). De pronto, o presidente da Comissão convocou nova reunião da Comissão para garantir a aprovação do texto antes do recesso parlamentar (17/07). Somente o PT manifestou-se contra o Relatório.

* Gerson Teixeira: ex presidente da ABRA - Associação Brasileira de Reforma Agrária

 

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