Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Na sua edição da semana passada IstoÉ entrevistou Dom Tomás Balduíno que falou sobre Governo Lula, reforma agrária, América Latina, biocombustíveis e política econômica. Esta semana IstoÉ entrevista o Ministro de Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel fala da diminuição do número de famílias assentadas, dos investimentos nos assentamentos e da política agrária e economica do Governo.

Por SÉRGIO PARDELLAS E HUGO MARQUES

Ministro do Desenvolvimento Agrário desde abril de 2006, o engenheiro civil Cassel pode ter pago um alto preço político com a diminuição de 50% no número de famílias assentadas, mas inovou. Em vez da quantidade, privilegiou a qualificação do assentamento. Investiu, só em 2007, R$ 4,1 bilhões nas áreas já ocupadas. "Desapropriar terra e colocar gente nela é só a primeira parte. É necessário depois garantir água, luz, habitação, assistência técnica e dar condições para produzir", diz ele. O fim dos conflitos agrários é outro objetivo perseguido por Cassel - em 2007 caíram de 1.406 para 540. Reflexo, segundo esse gaúcho de Santa Maria, do ambiente econômico criado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sustentado pelo crescimento da economia, geração de empregos, distribuição de renda e reforma agrária: "Não é pouco voltar a crescer, distribuir renda, gerar emprego, assentar 450 mil famílias e disponibilizar R$ 12 bilhões para a agricultura familiar." É baseado nesses números que Cassel dispara contra os seus críticos mais cáusticos. Seu principal alvo é o líder do Movimento dos Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, que acusa o governo Lula de trair o povo por não enfrentar o grande latifúndio. "O Stédile agride o bom senso", diz Cassel. "Respeito o fato de ele ter uma expectativa superior, mas fizemos muito. E isso não é retórica de ministro. Os dados do IBGE estão aí", diz. Sobre o Orçamento para 2008, Cassel garante que não haverá cortes, apesar do fim da CPMF.

ISTOÉ - O governo assentou no ano passado 50% a menos de famílias. Também houve uma queda de 60% no volume de terras desapropriadas. O que houve?

Guilherme Cassel - Foi um ano atípico marcado por 100 dias de greve do Incra. Reforma agrária é uma linha de montagem. Quando você começa a vistoriar uma área, leva de nove a 13 meses para fazer a desapropriação. Mesmo assim, 70 mil famílias é um volume superior à média anual da gestão Fernando Henrique Cardoso. Nosso objetivo era o de qualificar os assentamentos. Dois mil e sete foi o ano em que o governo mais investiu em reforma agrária na última década. Foram R$ 4,1 bilhões.

ISTOÉ - É uma mudança de política? O modelo anterior estava equivocado?

Cassel - Sempre houve uma atenção especial para a quantidade. O problema é que se tem de assentar gente com qualidade. Desapropriar terra e colocar gente nela é só a primeira fase. É necessário depois garantir água, luz, habitação, assistência técnica e dar condições para produzir. O Brasil tem hoje cerca de 900 mil assentamentos, dos quais 480 mil foram realizados nos últimos cinco anos. Herdamos do governo anterior assentamentos com pouca capacidade produtiva e infra-estrutura. Não há como produzir nessa situação.

ISTOÉ - O sr. sabe estimar quantas famílias estão acampadas em barracas à espera de inclusão no programa de reforma agrária?

Cassel - O número oscila entre 70 mil e 100 mil. É muito difícil estimar por que o censo sobre acampados dá apenas a fotografia do momento. Em Pernambuco, por exemplo, na entressafra da cana, aumenta muito o número de acampados. Depois desse período, eles diminuem. Então podem-se ter hoje 50 mil assentados e, daqui a três meses, 150 mil.

ISTOÉ - Uma das críticas que são feitas é a de que, ao priorizar a qualificação dos assentamentos, o governo acaba deixando de lado as pessoas que não têm nada.

Cassel - É uma falsa polêmica. Não se enfrenta a questão da qualificação deixando de lado a quantidade. E vice-versa.

ISTOÉ - Quando vai ser universalizada a assistência técnica nos assentamentos? Cassel - Atingimos cerca de 80%. Queremos fechar 2008 com 100%. Assistência técnica faz toda a diferença. Tem gente que, ao receber a terra, vai viver sua primeira experiência gerencial.

ISTOÉ - Qual era o percentual antes de o presidente Lula assumir? Cassel - De 30%. A situação geral era muito precária. O sistema de assistência técnica estava quebrado. Assumimos com uma demanda grande mesmo. Assentamos 450 mil famílias em quatro anos. É um volume grande. Em toda a sua história, o Incra assentou 880 mil famílias. Fizemos em cinco anos mais do que o Incra fez em 40.

"Não concordo com o Graziano. A reforma vai ser cara ou barata dependendo dos benefícios que ela trouxer para o País"

ISTOÉ - Com a queda de 60% na desapropriação de terras em 2007, onde o sr. vai arrumar terra para assentar 100 mil famílias?

Cassel - Reforma agrária é também compra e venda e retomada de terra pública. Então, vamos trabalhar também com essas outras alternativas.

ISTOÉ - Em 2007 o sr. privilegiou as regiões Sul e Sudeste. E a região Norte, onde está localizada a Amazônia?

Cassel - A região Norte vai ter um peso importante no próximo período. Vivem na Amazônia Legal cerca de 6,7 milhões de agricultores. A grande maioria sem direito a nada em relação à terra.

ISTOÉ - A área degradada da Amazônia não precisa ser olhada com mais carinho?

Cassel - Vamos recuperar essa área. Esse é o problema dos assentamentos. Assentamentos versus desmatamento. O grande problema é que, quando se retoma uma área na Amazônia, já se pega uma área degradada. Então, o trabalho é duplo. Além de assentar, tem de recuperar a mata.

ISTOÉ - Quantas mil famílias o sr. pretende assentar nessa área?

Cassel - Cerca de 300 a 400 mil. Mas vamos fazer de forma responsável, preservando o ambiente. Existe uma consciência, em geral, mas há um passivo que sempre estoura conosco. Você vai lá e retoma a terra do madeireiro, que está há 30 anos explorando. A área está 70% desmatada. Você coloca as famílias ali e constrói com elas uma idéia de futuro onde o objetivo é recuperar a floresta e produzir. Para isso é necessário tecnologia que garanta renda para as pessoas.

ISTOÉ - O sr. não teme que essas famílias sejam mais um mecanismo de degradação?

Cassel - É um risco. Mas estamos criando assentamentos que levem em consideração o bioma amazônico. A idéia é garantir que as pessoas vivam ali, tenham renda e contribuam para a preservação.

ISTOÉ - O ex-ministro do Fome Zero José Graziano avalia que a reforma agrária no Brasil é cara. O sr. concorda?

Cassel - Não concordo com o Graziano. A reforma agrária vai ser cara ou barata dependendo dos benefícios que ela trouxer para o País. A história já nos mostrou que é possível crescer com desigualdade. Mas o resultado é desemprego, cidades deformadas, violência urbana e má distribuição de renda.

ISTOÉ - O que deve ser feito?

Cassel - Temos de aproveitar agora esse padrão de crescimento sustentável, com geração de empregos para fazer uma escolha: queremos continuar crescendo com desigualdade ou não? E o meio rural é importante. Reforma agrária é uma escolha do País. É possível crescer sem reforma agrária, mas assim se constrói um país desigual. Se há uma malha fundiária diferenciada, com gente produzindo, geram- se empregos, movimenta-se comércio, se constroem comunidade, igrejas e postos de saúde.

ISTOÉ - Qual o Orçamento do Ministério para 2008? Haverá corte agora com o fim da CPMF?

Cassel - O orçamento é de R$ 5,8 bilhões. Só o do Incra é de R$ 4,4 bilhões. Não tenho expectativa de corte.

ISTOÉ - O sr. recebeu a garantia do presidente Lula de que não haverá corte?

Cassel - Ele me disse que a reforma agrária vai continuar nesse ritmo. Não existe intenção de cortar gastos com assentamento ou com obtenção de terras.

ISTOÉ - O sr. poderia dobrar o estoque de terras para a reforma agrária se fosse assinada a portaria que revê os índices de produtividade da terra?

Cassel - Facilitaria o trabalho do Incra.

ISTOÉ - E por que isso não é feito?

Cassel - A idéia é aguardar o momento político adequado. Há reações, sobretudo advindas da bancada ruralista. A pergunta que não quer calar é: a quem interessa a improdutividade? Quem se sente ameaçado pelo índice de produtividade é porque não está produzindo.

ISTOÉ - Como o sr. acompanha a questão dos biocombustíveis? Como o governo irá conciliar a reforma agrária com a expansão das plantações de cana-de-açúcar em todo o País, no caso do etanol?

Cassel - Quando a gente fala em biocombustível, temos de considerar a experiência do etanol e do biodiesel. O programa do etanol tem 30 anos e precisa ser readequado. Temos de caminhar para uma certificação ambiental e trabalhista. Ele pode, caso não seja controlado, reconcentrar terra e estimular a monocultura. Já o biodiesel tem dois anos e é um programa inovador, ousado e original. O governo teve a capacidade de pensar num combustível novo e limpo a partir da idéia de inclusão social. Isso deu certo.

ISTOÉ - Qual a importância disso?

Cassel - Hoje temos 100 mil famílias trabalhando no Nordeste com renda adicional. Isso para a agricultura familiar é muito significativo porque ela não compete com alimentos. Além de trabalhar para subsistência, a pessoa tem uma renda a mais. Não há risco.

ISTOÉ - O governo liberou quanto no Pronaf em 2007 e qual a previsão para 2008?

Cassel - Cerca de R$ 9 bilhões no ano passado. Para 2008, a expectativa é de R$ 12 bilhões.

ISTOÉ - No governo anterior, o valor liberado era de cerca de R$ 1 bilhão. É isso que desarma os movimentos sociais?

Cassel - O volume grande de política pública para reforma agrária e agricultura familiar muda a situação. Incluímos cerca de 1,1 milhão de famílias no sistema produtivo de crédito, especialmente no Norte e Nordeste. Eram pessoas que estavam fora do sistema produtivo do País. Isso criou uma estabilidade no campo.

"Conversei com Lula e ele disse que a reforma agrária vai continuar nesse ritmo. Não existe nenhuma intenção de cortar gastos"

ISTOÉ - Por que, diante de todo esse quadro, vem o João Pedro Stédile, do MST, e diz que o governo Lula traiu o povo por não enfrentar o grande latifúndio?

Cassel - O João Pedro está enganado. Com Lula, o Brasil passou a crescer em torno de 5%, a gerar emprego, a distribuir renda, a enfrentar a desigualdade e a fazer reforma agrária. O Stédile agride o bom senso. Respeito o fato de ele ter uma expectativa superior. Gostaria de ter feito mais assentamentos. Mas não fizemos pouco. Não é pouco voltar a crescer, distribuir renda, gerar emprego, assentar 450 mil famílias e disponibilizar R$ 12 bilhões para a agricultura familiar. E isso não é retórica de ministro. Os dados do IBGE estão aí.

ISTOÉ - Quando serão dadas soluções para os conflitos agrários?

Cassel - Os conflitos agrários vêm caindo muito. Em 2007, caíram de 1.406 para 540. Isso é reflexo de um ambiente novo e também da orientação do presidente, que é a de enfrentar áreas de conflito histórico. Hoje equacionamos quase todos os problemas.

ISTOÉ - Lula terminará o segundo mandato mais próximo ou mais distante dos movimentos sociais?

Cassel - Temos uma relação mais madura e menos idealizada, na qual são levados em consideração limites e possibilidades.

ISTOÉ - A sua residência em Porto Alegre foi assaltada e o sr. disse que se sentia impotente diante da indolência das autoridades. Como foi?

Cassel - Procurei as autoridades, mas até agora não consegui recuperar os pertences. Fui até o secretário de Segurança. Falaram que iria demorar mais de 20 dias para achar os bandidos e eu argumentei: "Até lá já venderam minha televisão." O pior é que soube que os bandidos voltaram a rondar a casa.

ISTOÉ - Como o sr. reagiria se um terreno seu fosse invadido por sem- terra?

Cassel - A lei vale para todo mundo: sem-terra e latifundiário. Recorreria à Justiça como todo mundo. Existe Poder Judiciário no País para isso.

data: 21/01/2008

 

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