Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Em SP, acerto entre usineiros e governo prevê fim das atividades em dez anos

Esalq/USP afirma que houve queda de 20,9% no total de trabalhadores no setor entre 1981 e 2004, de 625 mil para 494 mil

Fonte: Folha de São Paulo

Publicada em: 11/09/2007

JULIANA COISSI, DA FOLHA RIBEIRÃO

A profissão do bóia-fria da cana-de-açúcar está com os dias contados no Brasil. É o que aponta estudo da Esalq/USP, que mediu os efeitos da mecanização das lavouras. Segundo a pesquisa, houve queda de 20,9% no número total de trabalhadores rurais no setor entre 1981 e 2004, que passou de 625 mil para 494 mil. Em contraste com essa queda, houve aumento de 166,3% na produção de cana no período - de 156 milhões de toneladas para 415 milhões de toneladas. A mecanização vem aumentando ano a ano, segundo o estudo, por ao menos três razões: econômica, legal e social. Além do uso de máquinas otimizar a produção e substituir o pagamento de mão-de-obra -uma colheitadeira substitui o trabalho de cem cortadores de cana-, foram criadas leis para extinguir a colheita manual.

Segundo a economista Márcia Azanha Ferraz Dias de Moraes, da Esalq/USP e autora do estudo, o setor sucroalcooleiro tem absorvido cortadores de cana em algumas funções dentro da cadeia, como tratorista ou operador de caldeira de usina, mas a grande massa de trabalhadores -muitos analfabetos- ficará desempregada. Em 2005, dos 519 mil trabalhadores da cana, 150 mil eram analfabetos -o Estado de São Paulo tinha 30 mil. "Claro que a mecanização vai desempregar e atingir justamente essas pessoas que não têm escolarização e não conseguirão ser absorvidas por outras formas de trabalho. São necessárias políticas públicas para começar a absorver essas pessoas, mas até agora nada está sendo feito conjuntamente", disse Azanha. A pesquisa fez o levantamento da evolução do número de empregados baseado em dados da Rais (Relação Anual de Informações Sociais) e da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios). Caminho sem volta Ao menos no Estado de São Paulo já existe uma data para o fim da profissão de cortador de cana: 2017. É o prazo final firmado entre usineiros e a Secretaria de Estado do Meio Ambiente, em protocolo assinado em maio deste ano, antecipando o limite de 2031 que havia sido imposto por lei estadual criada para eliminar gradativamente as queimadas de cana - as queimadas, feitas geralmente à noite, são necessárias para viabilizar o corte manual.

Outro fator é que nos últimos anos aumentou a cobrança pelo cumprimento das normas trabalhistas no campo, principalmente após a morte de 21 bóias-frias, desde 2004, supostamente por excesso de esforço no trabalho. Neste ano, por exemplo, uma força-tarefa formada por Procuradoria do Trabalho e Subdelegacia do Trabalho, com apoio da Polícia Civil, fez várias blitze em canaviais e alojamentos de bóias-frias no Estado em busca de irregularidades trabalhistas, como a falta de registro, a não-utilização de equipamentos de proteção, jornada irregular e alojamentos precários. Segundo a Unica (reúne as indústrias sucroalcooleiras), de 42% a 45% da produção de cana no Estado de São Paulo já é colhida por máquinas, índice acima do nacional - entre 35% e 37%. "A mecanização é uma trilha sem volta, e as usinas vão buscar capital para se desenvolver", disse Sérgio Prado, diretor da Unica na região de Ribeirão Preto - uma colheitadeira custa cerca de R$ 800 mil. As novas usinas, por exemplo, já não contam mais com a figura do cortador de cana, disse Prado. Segundo ele, o papel de inserir os trabalhadores em outras áreas quando a função de cortador for extinta deve ser assumida em conjunto por empresas, sociedade e governo. A massa de trabalhador sem formação é também migrante, principalmente da região Nordeste e do Vale do Jequitinhonha (MG). Muitas vezes eles embarcam para as zonas canavieiras atraídos apenas por comentários dos vizinhos sobre os ganhos no corte da cana.

"Só tem vindo gente nova. Cortador com mais de cinco anos de safra não chega mais", diz a irmã Inês Facioli, da Pastoral do Migrante. Segundo ela, os cortadores mais experientes não suportam mais a carga de trabalho. Neste ano, o campo tem assistido a um fenômeno revelador dos novos tempos: em plena safra, migrantes estão voltando para suas cidades por terem sido dispensados ou não encontrarem trabalho nas usinas.

Sem emprego, muitos voltam ao Nordeste

DA FOLHA RIBEIRÃO

Elias de Souza Rais, 30, saiu do Maranhão em abril deste ano em um ônibus lotado de homens que, como ele, sonhavam aproveitar o boom do álcool e obter um emprego no corte de cana na região de Ribeirão Preto (SP), a maior produtora do combustível no país. Menos de um mês depois, sem conseguir emprego, sem dinheiro e após passar muitos dias comendo apenas arroz duro e dormindo em um quarto sem camas, ele e os companheiros foram enviados de volta para casa graças à ajuda da Igreja Católica e das prefeituras de Guariba e Dumont. As duas cidades funcionam como uma espécie de cidades-dormitório de migrantes da cana. Rais foi uma das vítimas do aumento da mecanização, que tem diminuído ano a ano o número de postos de trabalho no corte manual da cana -na região de Ribeirão Preto, cerca de 70% da cana já é colhida com máquinas-, e também do maior cuidado do setor na hora de selecionar os trabalhadores.

Devido às mortes ocorridas nos canaviais, os exames médicos estão mais rigorosos e barram, por exemplo, candidatos com suspeita de terem o mal de Chagas (transmitido por um inseto conhecido como barbeiro). Muitos trabalhadores chegaram a ser contratados pelas usinas mas, ao vencer o prazo de três meses de experiência, foram dispensados -as empresas alegam que muitos pediram demissão por não terem se adaptado ao trabalho. Segundo a Pastoral do Migrante de Guariba, nos meses de maio e junho, pelo menos três ônibus por semana saíram da cidade lotados de trabalhadores retornando ao Nordeste. A situação provocou uma espécie de vaivém da cana em plena safra: enquanto migrantes desempregados voltavam de ônibus, os mesmos veículos traziam mulheres e filhos dos bóias-frias aprovados. São casos de trabalhadores que optaram por recompor a família, já que têm a garantia de emprego ao menos até o final da safra. As mulheres, recém-chegadas, também buscam postos de trabalho, principalmente na colheita de laranja nas lavouras de cidades da região, como Itápolis.

(JULIANA COISSI E JUCIMARA DE PAUDA)

 

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