Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

As frases soam como um mantra: “Aqui é lugar de barriga cheia. Daqui, só saio morta.” A fala, dita insistentemente pela pescadora Nazaré da Silva, uma mulher de 34 anos e analfabeta, é repetida pela sua irmã, Graça das Dores, 25, que também não saber ler e escrever As duas viraram um símbolo de resistência. O lugar de onde Nazaré e Graça se recusam a sair é a Ilha Constantino, uma das 17 ilhotas do Rio Sirinhaém, na Mata Sul de Pernambuco, de onde elas tiram a sobrevivência pescando, catando caranguejo, plantando e criando animais. As terras são da União, mas a Usina Trapiche tem o domínio de uso e exploração por ser foreira da área. Há cinco anos, 53 famílias viviam nas ilhas. Hoje, só sobraram as duas irmãs, os maridos e quatro crianças. Segundo denúncia dos pescadores, todos foram saindo pressionados pela usina. Gente que estava ali há 50 anos e que agora se vê na periferia de Sirinhaém, engrossando a massa de desempregados e na fila do Bolsa-Família. O conflito entre os pescadores e a usina se arrasta há anos, com processos tramitando no Tribunal de Justiça e no Ministério Público de Pernambuco e Federal. A situação piorou, no entanto, quando começou a pressão para que as famílias deixassem as terras. Graça das Dores diz que sua casa já foi derrubada várias vezes. Tanto que hoje ela nem faz questão de viver num barraco de plástico coberto com palha. “Se eles derrubarem, eu levanto de novo. A usina já pelejou para tirar a gente daqui. Botou a polícia na casa de minha irmã, levou ela presa, os filhos junto. Mas a gente não sai. De que serve casa de tijolo na rua se a barriga está vazia?”, raciocina, com a lógica de quem cresceu no mangue e sabe que longe dali o sustento será mais difícil. A casa de Nazaré é quase tão miserável quanto a da irmã. Um pouco melhor, porque é de taipa. Tem lugar para o quarto, entupido de colchões, e uma saleta que também abriga o fogão de quatro bocas, embora só uma funcione. Ela não reclama da moradia construída no quintal do mangue. “A comida está na minha porta. Posso estar longe da escola e do posto de saúde. Mas vivo com dignidade. Tenho o que comer, tenho o que vender na feira. Queria sossego. Mas sei que os poderosos só vão descansar quando tirarem a gente daqui”, diz a mulher, de 1,5 metro de altura. Mas o marido confirma: “braba que nem uma onça”. A postura das duas irmãs é um alento de esperança para as famílias que não tiveram a mesma resistência. “Sei que hoje só ficaram as duas. É bonito ver a teimosia delas. Mas para mim ficou difícil. Tenho filhos. Tinha medo de que algo mais grave acontecesse”, resigna-se o pescador Luiz José de Santana, 71. Ele foi o último a deixar a ilha, em 7 de abril deste ano, um dia para ficar na lembrança. “Nunca vou esquecer. Foi como se tivesse deixado um pedaço de mim lá.” Na última segunda-feira, a reportagem o encontrou no Centro de Sirinhaém, embaixo de uma parada de ônibus, vendendo feijão e maxixe, num carro-de-mão. “Foi o que ainda deu para salvar. Depois que saí, eles derrubaram casa, lavoura, tudo no chão.” Em troca do sítio, que tinha há décadas, ganhou duas casas na periferia. Não recebeu um centavo em dinheiro. Mas seu Luiz ainda encontra com o que se animar. “Podia ser pior. Eu ainda estou cantando vitória. Porque saí com vida.” A provável solução para o conflito está na mesa do superintendente do Ibama em Pernambuco, João Arnaldo. Os pescadores e entidades como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), que acompanha o caso, solicitaram que a área seja transformada em reserva extrativista, a primeira do Estado. As ilhas já foram transformadas por decreto estadual em Área de Proteção Ambiental (APA), mas melhores condições de vida e o uso sustentável do mangue só estariam assegurados com a criação da reserva. João Arnaldo disse que, até o fim do ano, serão feitos os estudos para verificar a viabilidade da proposta. CONFLITO II Usina diz que ação é para preservar meio ambiente Publicado em 17.09.2006 Se, para os pescadores, a presença de apenas duas famílias nas ilhas do Rio Sirinhaém é exemplo da pressão feita pela Usina Trapiche, para os diretores da empresa, a permanência deles na área é prova justamente do contrário. “Não há uso de nenhuma violência. E a situação da Nazaré (da Silva) mostra o nosso grau de civilidade. Ela é a mais indefesa, fica lá dia e noite, e nunca aconteceu nada contra ela e a irmã. Não há cabimento nessas denúncias”, afirma o diretor da Usina Trapiche, Luiz Antônio de Andrade. Ele afirma que já tem uma sentença judicial garantindo a reintegração de posse da ilha onde a pescadora mora, mas que a decisão está sob recurso no Tribunal de Justiça. “Para nós essa questão está resolvida. Só ficaram duas famílias. É um problema pontual.” Sobre as motivações para retirar as famílias das ilhas, Luiz Antônio garante que elas são unicamente ambientais: “Quando compramos a usina, em 1998, verificamos que os pescadores estavam destruindo o local, queimando madeira, degradando o meio ambiente. Essa área de mangue precisava ser preservada e procuramos todos os meios legítimos para assegurar isso”, afirma. Outro cuidado que a usina tomou foi o de impedir que novas famílias ocupassem a área. A empresa solicitou e conseguiu na justiça uma proibição de que novas casas fossem construídas. Para mostrar que esse foi o interesse da empresa, Luiz Antônio citou o trabalho de reflorestamento e pesquisa de biodiversidade que vêm sendo feito em outro empreendimento do grupo, a Usina Serra Grande, em Alagoas. Luiz Antônio diz que todas as famílias retiradas saíram após negociação, sem tentativa de coerção. E, na sua avaliação, elas estão vivendo muito melhor agora. “Eu entendo que o pessoal melhorou de vida. Agora tem energia elétrica, casa de alvenaria. Nós demos a esse pessoal uma condição muito superior ao que tinham.” Em meio ao conflito, a Usina Trapiche foi denunciada por estar plantando cana-de-açúcar nas margens do Rio Sirinhaém. O Ibama fez a fiscalização e constatou o dano ambiental. O diretor diz, no entanto, que as plantações são anteriores à aquisição da usina pelo grupo e que as margens já estão sendo recuperadas. Fonte: Jornal do Commercio Publicado em 17.09.2006 Famílias que vivem em ilha no Rio Sirinhaém são forçadas pela Usina Trapiche a deixar a área CIARA CARVALHO

 

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