Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

A seca atual no Nordeste, das piores sob ponto de vista climatológico, revela mais das contradições do projeto de transposição do rio São Francisco. As obras contribuem para piorar a situação.

* Rubem Siqueira

 

Águas de açudes foram usadas na construção dos canais, e agora estão faltando ao povo, aos animais, à lavoura. É o caso de Barra do Juá, em Floresta, e de Poço da Cruz, em Ibimirim, PE. Deste foram retiradas por dia 16 carradas de 16 mil litros cada. Mesmo atualmente, carradas diárias continuam sendo levadas, ignorando a conflitividade crescente da situação, em que consumo humano e animal e produção irrigada disputam a água que míngua. Barragens no município de Sertânia – PE foram secadas desta forma. Poços artesianos perfurados pelas empresas contribuem para baixar o nível das águas subterrâneas e das aguadas. A percepção da seca pelos afetados não lhes tira a convicção de que foram estas retiradas a secarem os reservatórios.

 

Uma das mais incidentes reclamações dos camponeses é quanto ao acesso às áreas de pastagem e às aguadas cortado pelos canais. Ficou impedida a circulação dos animais criados na “solta”, nos “fundos de pastos”. Passarelas prometidas não foram feitas. O quadro chega a ser desesperador: muitos produtores venderam parte do rebanho ou todo ele, antes que mais perdesse preço ou morresse, como vem acontecendo. As indenizações, até de R$ 80,00 por hectare, não lhes possibilitam reproduzir as condições de vida anteriores.

 

Famílias reassentadas nas “Vilas Produtivas Rurais” elogiam as casas, mas reclamam da ajuda de R$ 930,00, pouca para todos os gastos da casa, e das terras ruins e ainda não liberadas para o trabalho. O fornecimento de água de carro-pipa é irregular e insuficiente, tem-se que completar a custos próprios, pagando até R$ 100,00 a carrada. Situação que deve perdurar até e se correr a água do São Francisco… A esperança se turva na incerteza e na desconfiança.

 

As chuvas que caíram na região deterioraram placas de concreto dos canais construídos, entre Floresta, Sertânia e Custódia, PE. Ironia: a obra que os promotores e defensores buscam justificar com a falta de chuvas, se estraga com as chuvas… Trechos dos canais deixam a nítida impressão de que foram ignorados a geologia e o clima da região, pois cederam, racharam, foram tomados pelo mato… O túnel de Cuncas, do lado de Maurití – CE, desabou.

 

O estado das obras dá razão às críticas mais contundentes ao projeto. Revelam o esquema, ao ritmo do calendário eleitoral: início açodado, projetos executivos frágeis, deterioração, necessidade de refazer, empresas inidôneas como a Construtora Delta (escândalo Cachoeira), superfaturamento, protelação, aditivos, caixas de campanhas eleitorais – as anteriores, as deste ano, as seguintes… Daí que os custos já aumentaram 71%: de R$ 4,8 bilhões para R$ 8,2 bilhões!

 

O período eleitoral enseja novas manipulações: anunciam-se mais um desnecessário canal para o Vale do Piancó, na Paraíba, e uma transposição baiana de Sobradinho para Salvador através do Rio Paraguaçú… Ignoram-se acintosamente os avanços do conhecimento sobre o bioma Caatinga e o clima Semiárido e a proposta de conviver e tirar partido deles. O São Francisco, o desprezado de sempre, fonte inesgotável de “recursos hídricos”, como se não estivesse minguando a olhos vistos e dados comprovados.

O ciclo vicioso reiterado, lá e cá, escancara a “indústria” econômica e política e cultural da seca, ainda decisiva para o poder, à custa da dor e do engano do povo nordestino.

 

* Rubem Siqueira é agente da Comissão Pastoral da Terra

 

 

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