Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Com o objetivo de reafirmar a unidade na diversidade e elaborar uma agenda comum de lutas contra a Transposição do Rio São Francisco e a favor da construção de alternativas de convivência com o Semi-Árido Nordestino, realizou-se nos dias 25 a 27 de Fevereiro em Sobradinho/BA a Conferência dos Povos do São Francisco e do Semi-Árido.

A Conferência contou com a presença de povos indígenas, pescadores, camponeses, ribeirinhos, quilombolas, vazanteiros, geraiseiras, catingueiras, sindicalistas, agentes pastorais, movimentos sociais, religiosos, promotores de justiça e estudantes.

Estavam representados 13 estados (Alagoas, Sergipe, Pernambuco, Bahia, Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí, Ceará, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás e Paraná) além do Distrito Federal e outros dois países, Alemanha e Argentina.

“Precisamos lutar na mesma trincheira”, afirmou Frei Luiz Cappio durante a Conferência. Em alusão ao destino da luta contra a Transposição afirmou que “mais uma vez se confirma que de cima para baixo nada acontece. Precisamos fortalecer nossa base, nos organizarmos como força básica, alicerce. Construir um corpo vivo que luta em defesa de um mesmo ideal, em defesa da vida”. Para Frei Luiz, a Conferência teve como objetivo “celebrar nossa comunhão e traçar uma agenda comum.”

A Transposição é desnecessária

A Conferência serviu também para reafirmar a inutilidade e os perigos da Transposição.

Inutilidade porque não resolverá os problemas do semi-árido brasileiro, como tanto propagandeia o Governo Federal. O professor Manoel Bonfim, autor do livro “A potencialidade do Semi-Árido”, esclareceu durante sua palestra que não falta água no semi-árido nordestino. 600 bilhões de m³ de água de chuva caem por ano nesta região. “O problema não é a falta d’água, mas a sua evaporação descomunal”, afirma. São sessenta dias de chuva contra trezentos de sol. O desafio então é saber como aparar, armazenar e distribuir a água da chuva.

Até o final do século XX, foram construídos cerca de 70 mil açudes no semi-árido nordestino, com um armazenamento atual acumulado de 37 bilhões de m³ de água, o suficiente para abastecer a população local de 22 milhões de habitantes.

Essa capacidade não é aproveitada porque nunca foram feitas as obras complementares de adução, para movimentar e distribuir as águas desses açudes. Estagnadas e concentradas, as águas inevitavelmente sofrem os efeitos da evaporação.

A explicação para tamanha irracionalidade é dada pelo próprio Bonfim, “o modelo de açudagem brasileira é concentrador porque, desde a construção dos primeiro açudes na época colonial, descobriu-se que controlar o acesso à água é uma forma de exercício de poder e, deste então, concentrar água é ter poder.”

E para comprovar a inutilidade da Transposição, Bonfim informa que o Eixo Norte pretende transpor 2 bilhões de m³ de água do São Francisco para oito grandes açudes no Nordeste Setentrional. Esses açudes têm uma capacidade de 14 bilhões de m³. Desses 14 bilhões, no entanto, cerca de 4 bilhões evaporam todo o ano. Ou seja, evaporam 4 bilhões de m³ de água e só vão chegar 2 bilhões. A transposição só pode compensar os efeitos da evaporação, e isso não resolve o problema da água no semi-árido nordestino. “Não há necessidade de transposição, mas sim de uma rede de distribuição de água. Se nós já temos 37 bilhões de m³ armazenados, como é que 2 bilhões vão resolver?”, questiona o professor.

Propaganda enganosa

O ambientalista Henrique Cortez também alertou durante a conferência sobre as mentiras e falácias da propaganda governamental sobre os supostos benefícios da Transposição.

A mais nova bravata do governo, numa clara tentativa de desarticular os movimentos sociais, é dizer que a Transposição irá proporcionar Reforma Agrária com água no sertão nordestino. A propaganda diz que ao longo dos 400 km dos canais do Eixo Norte das obras da Transposição, o governo irá destinar três km de cada lado para o assentamento de famílias camponesas. Prometendo, ainda mais, que essas famílias terão acesso à água do canal de transposição para uso humano e para irrigação.

Mas representantes do próprio governo já deixaram claro que essa hipótese é inviável. Para disponibilizar água para esses assentamentos, o governo teria de retirar a água destinada aos grandes empreendimentos do agronegócio, como plantação de cana, fruticultura e criação de camarão, verdadeiros e únicos beneficiários da Transposição. E o governo, como deixou claro o Deputado Ciro Gomes e o Ministro Geddel Vieira em audiência recente no Senado Federal, não fará isso.

Existem hoje cerca de 600 assentamentos à beira do São Francisco, e nenhum possui projeto de irrigação. Se os que já existem não têm acesso água, é de se esperar que o mesmo aconteça que os que irão surgir. Trata-se de mais uma propaganda enganosa em torno do projeto de Transposição e, como alerta Rubem Siqueira da CPT/BA, “se o movimentos sociais caírem nessa armadilha, será o fim da luta contra a Transposição do Rio São Francisco”.

A luta tem a duração da vida

No dia 26, Frei Luiz Cappio celebrou missa na Capela de São Francisco, local dos seus 24 dias de jejum, no final do ano passado, contra o projeto de Transposição. O local foi lotado pelos moradores de Sobradinho e os participantes da Conferência.

Bastante emocionado, Frei Luiz chegou a dizer que “a volta a Sobradinho é como voltar a um pesadelo”. Mas completou, “a luta não é como um jogo de futebol, que após 90 minutos se sabe quem ganhou ou perdeu, a luta tem o tempo que dura a própria vida”.

Por: Thalles Gomes, da Equipe de Comunicação da Comissão Pastoral da Terra - Regional Nordeste II. Com a colaboração de Clarice Maia.

 

Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Rua Esperanto, 490, Ilha do Leite, CEP: 50070-390 – RECIFE – PE

Fone: (81) 3231-4445 E-mail: cpt@cptne2.org.br