Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Governo inicia revitalização para que Rio São Francisco se torne navegável.“Eu não me conformo, é muito cimento enterrado.” A afirmação, em tom desolado, é de Pedro da Silva Borges, de 59 anos, comerciante de tijolo e cerâmica, que há 8 meses acompanha a instalação de um projeto piloto de revitalização do Rio São Francisco, ao longo de 1.100 metros, na cidade de Barra (BA).

Por, Angela Lacerda, BARRA

Nesses meses, Pedro viu chegar 4 mil sacos de cimento. Misturado com areia, ele é posto em novos sacos e usado na instalação de espigões - braços que vão da margem até certo ponto do leito do rio -, taludes e canaletas.

“Eu espero que dê certo, senão vai ser muito dinheiro jogado fora”, comenta, sem conseguir dissociar o “cimento enterrado” da imagem de “milhares” de casas populares que poderiam ser construídas com ele. O projeto piloto está a cargo da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), vinculada ao Ministério da Integração Nacional, em parceria com a Fundação de Pesquisas Aquáticas, da Universidade de São Paulo (USP).

O objetivo é tornar navegável um trecho de 320 quilômetros do São Francisco, de Ibotirama, no oeste baiano, até o ponto do rio ladeado por Juazeiro (BA) e Petrolina (PE). Isso tornará viável o transporte de soja, algodão e milho.

O projeto piloto não faz parte da transposição do São Francisco, mas do programa de revitalização do rio, que o governo divide em três: hidrovias (no qual se insere), o Água para Todos, de universalização do abastecimento de água, e a revitalização em si - esgotamento sanitário nas cidades das Bacias do São Francisco e do Parnaíba, controle de processos erosivos e reflorestamento de nascentes, margens e áreas degradadas.

PRAZO

Em Barra, o projeto piloto servirá para testar ações que serão depois replicadas ao longo dos 320 quilômetros entre Ibotirama e Juazeiro. Foram recrutadas para trabalhar nele 120 pessoas, a maioria de Barra. Orçado em R$ 11,5 milhões, o projeto será desenvolvido em 4 anos: as obras serão concluídas no fim de 2008 e nos outros 2 anos será feito monitoramento, segundo o engenheiro coordenador de campo, Belmiro Gama. Numa área de 1.759 metros quadrados foi feita a conformatação do leito para controlar o fluxo e as margens, que serão estudadas. Nesse caso, o uso do cimento foi para dar rigidez ao paredão das margens. “É um campo de prova”, explica Gama.

Os espigões substituem os pontos frágeis das margens do rio. Os taludes também reforçam as margens e servem de solo para plantio de espécies nativas de gramíneas e leguminosas, evitando a erosão. As canaletas são construídas para prevenir ou reduzir os efeitos de enchentes. Todos visam a evitar o desbarrancamento das margens e a conter as águas.

Uma balsa será restaurada e usada na dragagem de áreas assoreadas do rio. Desde 1998, a Agência Nacional de Águas (Ana), a Codevasf e o Ministério do Meio Ambiente realizam estudos no rio. No trecho Ibotirama-Juazeiro foram detectados 10 pontos críticos de assoreamento. Outros 50 trechos precisam de reforço nas margens por meio de reflorestamento.

INVESTIMENTO

De 2004 a 2006 o governo investiu R$ 194,6 milhões na revitalização. Para o período de 2007 a 2010, prevê R$ 1,67 bilhão, vindo do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Deste total, R$ 100 milhões serão para hidrovias, R$ 307 milhões para o Água para Todos e R$ 1,27 bilhão para a revitalização em si. A implantação de esgotamento sanitário é um dos principais focos - terá R$ 864,3 milhões . A prioridade são 102 cidades ao longo das margens: 63 em Minas Gerais, 42 na Bahia (Barra entre elas), 24 em Pernambuco, 19 em Sergipe e 12 em Alagoas.

O governo divulgou este mês um balanço do programa. Entre outras ações, foram gastos R$ 26,1 milhões com recuperação de processos erosivos e R$ 148 milhões (do total de R$ 194,6 milhões) com saneamento básico, contenção de margens, adutoras, construção de cais e drenagem. Além disso, está em andamento a recuperação da Barragem de Sobradinho (BA).

Governador de Pernambuco, defende.

'A transposição é tarefa urgente', defende Campos Para ele, prioridade é universalizar o abastecimento de água em PE.

Para o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), “a transposição do Rio São Francisco é tarefa urgente que justifica todos os esforços e relativiza todos os questionamentos”. Ele diz que seu Estado tem o pior balanço hídrico do Nordeste e, diante da realidade do sertão e do agreste e do sofrimento do povo, a maior prioridade é alcançar a universalização do abastecimento de água.

Para isso, a transposição é “imprescindível e vital”, garante o secretário-executivo de Recursos Hídricos de Pernambuco, Almir Cirilo. “Já aproveitamos tudo o que é possível. Não existe água doce de qualidade para abastecer as pessoas.”

O agreste - que ocupa 25% da área de Pernambuco, abriga 25% de sua população e está fora da Bacia do São Francisco - não tem água subterrânea e suas águas superficiais estão poluídas ou têm nível significativo de sais. Seu índice é de 1,3 mil metros cúbicos de água por habitante/ano. A ONU classifica como estado crítico o nível inferior a 1,5 mil metros cúbicos por habitante/ano. O sertão possui índice mais alto por fazer parte da Bacia do São Francisco. “Mas a dificuldade é a mesma”, explica Cirilo.

O secretário tem certeza de que o projeto de transposição não vai matar o São Francisco. “O tamanho do projeto hoje é responsável.” Ele explica que o que se vai tirar do rio é 60 a 65 metros cúbicos por segundo, em média, quando a Barragem de Sobradinho tem uma vazão média de 1.800 metros cúbicos por segundo.

“Não é um volume insignificante, mas está longe de comprometer a saúde do rio”, diz Cirilo, que considera a revitalização um ponto “fundamental e nevrálgico”, a ser feita “com ou sem” transposição. Nesse aspecto, ele acha que a luta do bispo de Barra, d. Luiz Flávio Cappio, e dos movimentos que propõem alternativas para levar água à população que vive no semi-árido já teve conquistas.

A revitalização, segundo ele, é uma delas. Cirilo diz que o governo está imprimindo um ritmo “frenético” à obras que, se for mantido, em 5 anos levará esgoto a todas as cidades pernambucanas localizadas na Bacia do São Francisco. “Isto é mérito desse movimento (encabeçado pelo bispo), do embate.”

Para ele, o projeto do governo e as ações propostas por d. Luiz são complementares. A transposição vai levar água para as cidades e para a agricultura. Ações como cisternas e barragens subterrâneas atendem às populações que vivem longe dos centros urbanos. “Ambas são importantes e distintas, uma não substitui a outra.”

Pernambuco já foi contra a transposição, quando só estava previsto o Eixo Norte, para Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. O governo concebeu, então o Eixo Leste, para atender a 70 cidades e 80 localidades do agreste. Outra tomada de água atingirá 22 cidades e 40 localidades do sertão do Pajeú. Isto significa que o projeto estadual de universalização de abastecimento de água depende da transposição para abastecer metade dos 184 municípios pernambucanos.

Transposição tem apoio da maioria dos governadores Só os de Sergipe e Alagoas, com participação indireta no projeto, são contra

Tiago Décimo, SALVADOR

A transposição do Rio São Francisco tem apoio da maioria dos governadores de Estados nordestinos envolvidos no projeto - Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Sergipe e Rio Grande do Norte. As únicas vozes dissonantes vêm do sergipano Marcelo Déda - do mesmo partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PT -, e de seu colega alagoano, Teotônio Vilela, do oposicionista PSDB.

Ironicamente, os dois Estados não são considerados nem doadores de água, como Bahia e Pernambuco, de onde vai ser retirada parte da água do rio, nem receptores (Rio Grande do Norte, Ceará, Paraíba e um trecho do sertão pernambucano). Entre os técnicos, eles são chamados de doadores indiretos, porque as águas desviadas do rio na Bahia e em Pernambuco chegariam a Sergipe e Alagoas.

“Tenho uma posição crítica à transposição porque, na minha opinião, o projeto ‘secundariza’ os interesses dos Estados da Bacia do São Francisco, trata com timidez a questão da revitalização do rio e não resolve dúvidas relacionadas aos impactos ambientais”, explica Déda. “Do mesmo modo, não me convenço de que o projeto, na forma em que se encontra, seja a solução técnica com o melhor custo-benefício para a falta de água no Nordeste Setentrional.”

Na sua opinião, não houve um “debate consistente” para a elaboração de políticas de recursos hídricos para o semi-árido nordestino. O governador acha que isso seria fundamental para que o projeto pudesse ser posto em prática.

“Não duvido das boas intenções do presidente e da sua equipe, por isso sempre quis que todos os governadores da região fossem envolvidos nos debates, ao lado dos movimentos sociais e de pesquisadores que estudam o assunto”, argumenta Déda. “Por outro lado, a radicalização com a qual a transposição foi tratada, tanto pelos defensores quanto pelos que a combatem, terminou prejudicando um debate mais aberto e franco. Ainda há tempo para o diálogo e - quem sabe? - o consenso.”

“MESQUINHARIA”

Do outro lado da mesa, o mais eloqüente defensor do projeto é o governador do Ceará, Cid Gomes (PSB), irmão do deputado Ciro Gomes (PSB-CE), um dos mentores do atual projeto de transposição, elaborado enquanto ele era ministro da Integração Nacional. “Praticamente não há cearenses contrários ao projeto”, acredita Cid Gomes. “A transposição é de fundamental importância para o Nordeste como um todo.”

Ele discorda dos grupos que acham que a revitalização deve ser feita antes da transposição. Para Cid, esse debate não passa de “mesquinharia” dos Estados que vão ser afetados pela retirada das águas. “Sabemos que o processo de assoreamento do rio é gravíssimo, mas ele vem acontecendo há séculos”, diz. “A revitalização já está prevista no projeto, mas não há tempo de executá-la antes da transposição porque o que está em jogo é o abastecimento humano, que está próximo do colapso.”

Déda responde que não é movido por “nenhum egoísmo hídrico ou fundamentalismo ambiental”. E insiste: “O que não se pode é mexer num tema tão candente sem buscar um mínimo de consenso. Na luta contra a seca, todos precisamos da vitória E será uma tragédia se, ao final, realizando-se ou não a obra, o Nordeste se dividir em ganhadores e perdedores.”

Na Paraíba, o governador Cássio Cunha Lima (PSDB), buscou mobilizar a sociedade para apoiar a transposição. Em julho ele lançou o Comitê Paraibano em Defesa da Transposição do Rio São Francisco, que é presidido pelo arcebispo do Estado, d. Aldo Pagotto, e reúne representantes de vários setores sob o lema “Quem tem sede apóia”. “É preciso deixar de lado as questões partidárias para que a obra seja feita, levando água de beber para os nordestinos”, afirma Cunha Lima.

Para o governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), é natural que não haja consenso. “É claro que uma obra dessa magnitude causa controvérsias. Respeito quem é contra, quem fala que é preciso mais debate, mas é preciso entender que chega uma hora em que o Executivo tem de tomar uma decisão. E foi decidido que esta é uma obra que vai ajudar o povo nordestino a ter acesso à água, a ter mais dignidade, por isso a apóio.”

Segundo ele, obras de transposição são mais comuns do que se pensa. “Muitas metrópoles são abastecidas por águas de rios transpostos. Cerca de 60% da água consumida em Salvador, por exemplo, vem do Rio Paraguaçu, que nasce na Chapada Diamantina e deságua na Baía de Todos os Santos.”

Fonte: Jornal o Estado de São Paulo, 30/12/2007.

 

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