Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Zé Maria do Tomé, líder comunitário e ambientalista, foi assassinado por denunciar as consequências da pulverização aérea de agrotóxicos e irregularidades na concessão de terras nos perímetros irrigados da região da Chapada do Apodi, Ceará.

 

 

Por Cláudio Silva, do Brasil de Fato

 

No dia 21 de abril completou quatro anos do assassinato da liderança comunitária e ambientalista José Maria Filho, o Zé Maria do Tomé. Após oito dias, no dia 29 de abril, será realizada mais uma importante audiência do processo judicial que apura o homicídio.

 

Zé Maria foi assassinado com mais de vinte tiros, à queima roupa, próximo a sua residência, na comunidade de Tomé, zona rural de Limoeiro do Norte (CE). O defensor de direitos humanos destacou-se na luta contra a pulverização aérea de agrotóxicos, na Chapada do Apodi, Ceará. Essa atividade, promovida por grandes empresas do agronegócio, causa a contaminação da água, plantações e solo das comunidades da região. Além disso, provoca diversas doenças nos trabalhadores das empresas e moradores. Essas denúncias encontraram repercussões em ações judiciais, procedimentos do Ministério Público (Estadual, Federal e Trabalhista) e em inúmeras pesquisas acadêmicas.

 

Além das denúncias sobre as consequências do uso de agrotóxicos, José Maria Filho enfrentou diretamente as grandes empresas do agronegócio e denunciou irregularidades na concessão de terras nos perímetros irrigados da região. Esses perímetros provocam um processo de desapropriação (e mesmo expulsão) de pequenos trabalhadores rurais e concedem as terras para grandes empresas exportadoras de frutas. Enquanto o estado do Ceará passa por uma de suas maiores secas, essas empresas têm acesso à água em abundâncias e condições facilitadas.

 

Na região da Chapada do Apodi estão instaladas empresas como Del Monte, BANESA, Nólem e Frutacor, esta última cujo proprietário é acusado de autoria intelectual (mandante) do homicídio do defensor de Direitos Humanos, Zé Maria. A morte de José Maria Filho não significou o fim da luta contra os danos sociais e ambientais provocados pelas empresas do agronegócio. Diversos movimentos sociais, organizações comunitárias, organismos da Igreja e pesquisadores/ as de Universidades Públicas continuam os processos de análise, sistematização e denúncias sobre esses impactos negativos.

 

Um pouco da história

A luta de José Maria, em conjunto com as organizações comunitárias, pesquisadores/ as, movimentos populares e diversos apoiadores/as, gerou uma pressão social sobre a Câmara Municipal de Limoeiro do Norte. Em 20 de novembro de 2009, foi promulgada a Lei 1.278/2009 que proibia a pulverização aérea no município.

 

Essa iniciativa legislativa foi considera inédita no Brasil e ganhou repercussão internacional, ao banir a pulverização aérea de agrotóxicos.

As empresas do agronegócio da região não cumpriam o disposto na Lei nº 1.278/2009. Então, José Maria Filho torna-se referência nas denúncias sobre as ilegalidades das empresas do agronegócio.

 

Além disso, Zé Maria continuou, em conjunto com diversas organizações, denunciando a contaminação das águas, do solo e ilegalidades, como grilagens de terras, cometidas pelas empresas do agronegócio. Todas essas denúncias são respaldadas por diversos procedimentos judiciais e administrativos, como uma Ação Civil Pública que obrigou a prefeitura de Limoeiro do Norte a construir um sistema de abastecimento de água alternativo, pois a rede pública estava contaminada pelos agrotóxicos. Outro procedimento do Ministério Público Federal apura denúncias de grilagem de terras das empresas do agronegócio em terras da União.

No dia 21 de abril de 2010, o defensor de direitos humanos foi assassinado, a poucos metros da sua casa, em típica ação de pistolagem. A lei que proibia a pulverização aérea foi revogada em dia 20 de maio de 2010, um mês após o assassinato de Zé Maria.

 

A longa investigação…

Logo após o assassinato, foi instaurada a investigação na Delegacia de Polícia Civil em Limoeiro do Norte. Advogados ligados à Rede Nacional de Advogados/ as Populares no Ceará (RENAP/ CE) se dedicaram ao acompanhamento das investigações, representando a família no procedimento. Porém, uma série de falhas e limitações foi apontada pelos advogados, tais como: não preservação do local do crime, demora nas perseguições, falta de estrutura na Delegacia local, dentre outras.

 

A limitação mais grave foi a demora na realização do exame de balística, que poderia identificar a origem dos projéteis que ceifaram a vida de Zé Maria. Esse exame foi realizado meses após o homicídio. Ademais, as testemunhas afirmavam não se sentir seguras em prestar seus depoimentos na Delegacia local.

Através da pressão social e do acompanhamento do caso pela Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo (CNCVC), pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDH) e pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, o Inquérito Policial tomou novos rumos.

Poucos meses após o início das investigações, o Inquérito Policial passou a ser conduzido pela Divisão de Homicídios, localizada em Fortaleza. Com essa mudança, o procedimento investigativo ganhou alguma celeridade e desenvolveu um decisivo trabalho de inteligência policial. Além disso, a atuação do Ministério Público Estadual, por meio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO), foi fundamental para conclusão da fase de investigação.

 

Em 26 de junho de 2012, mais de dois anos após a morte do defensor de direitos humanos, o Ministério Público ofereceu denúncia contra João Teixeira Júnior (proprietário da empresa Frutacor), José Aldair Gomes Costa (gerente da citada empresa), Antônio Wellington Ferreira Lima e Francisco Marcos Lima Barros (os dois últimos moradores da comunidade Tomé, que teriam dado suporte ao assassino) pelo homicídio. O primeiro denunciado é um dos mais importantes empresários do agronegócio no Ceará. O suposto executor seria um conhecido pistoleiro da região, assassinado em julho de 2010 em uma ação policial.

 

O processo e a expectativa do júri popular

O processo nº 7659-18.2010.8.06.0115, que tramita 1ª Vara da Comarca de Limoeiro do Norte, é o que trata do homicídio de José Maria Filho.

Já foram ouvidas todas as testemunhas da acusação. No último dia 26 de fevereiro, foram ouvidas quase 20 testemunhas da defesa. Nessa audiência, ocorreu a oitiva das testemunhas de José Aldair Gomes Costa, Antônio Wellington Ferreira Lima e Francisco Marcos Lima Barros Wellington. Espera-se que diversas testemunhas do réu João Teixeira sejam ouvidas no próximo dia 29 de abril. Ainda faltam ser ouvidas algumas testemunhas por Carta Precatória, residentes fora comarca onde tramita o processo.

 

Após as oitivas de testemunhas, será realizado o interrogatório dos acusados. Por fim, a juíza de Limoeiro do Norte proferirá a sentença de pronúncia, quando se decide se os réus vão ou não a júri popular.

 

Na avaliação da acusação (Promotoria e Assistência) o processo segue em um importante ritmo, na expectativa que antes de junho de 2014 seja proferida a sentença de pronúncia. Ou seja, espera- se que a juíza da comarca de Limoeiro do Norte decida que os réus sejam julgados por um Júri Popular.

O caso Zé Maria é emblemático no contexto dos crimes, assassinatos e violência no campo brasileiro. José Maria Filho foi assassinado por defender direitos humanos: direito ao meio ambiente, à terra e ao território, à saúde e à vida.


O Estado brasileiro já está em dívida com a Justiça, diante dos quase quatro anos sem uma resposta efetiva à sociedade. As organizações de direitos humanos, movimentos populares, pesquisadores/ as que atuam na região, organismos da Igreja e diversos apoiadores acompanham o caso com atenção e preocupação, esperando que ao final se faça justiça, com a condenação dos responsáveis (mandantes e executores) pelo assassinato de José Maria Filho.

José Maria vive!

 

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