Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

 

 

Nos dias 23 e 27 de janeiro, 

o Grupo de Fiscalização Rural ligado à Gerência Regional do Trabalho e Emprego de Ribeirão Preto realizou uma fiscalização em quatro importa

ntes usinas nesta região do interior de São Paulo, conhecida como a Califórnia Brasileira por sua pujança econômica. O foco foram denúncias de problemas trabalhistas relacionadas ao plantio e à aplicação de agrotóxico nos canaviais.

Trabalhadores que aplicavam veneno na plantação trabalhavam com as luvas de proteção rasgadas. Fotos: Divulgação/MTE

 


De acordo com o auditor fiscal Antonio Avancini, já na primeira usina fiscalizada, Santa Rita S/A – Açúcar e Álcool, em Santa Rita do Passa Quatro, foram lavrados 37 autos de infração por irregularidades. Entre elas, o não recolhimento de FGTS; excesso de jornada de trabalho; não concessão de descanso regular entre jornadas (a empregadora não obedece ao intervalo mínimo de pelo menos 11 horas entre uma jornada de trabalho e outra); trabalho nos feriados; não fornecimento gratuito, como previsto em lei, de  ferramentas adequadas ao trabalho, como enxadas e enxadões; transporte de agrotóxicos no mesmo compartimento que continha alimentos ou utensílios de uso pessoal dos trabalhadores; roupas, luvas e demais equipamentos utilizados pelos trabalhadores que aplicam os agrotóxico rasgados e danificados, expondo-os à contaminação; entre outros.

A equipe verificou que, no Livro de Inspeção da empresa, consta o registro de uma fiscalização do Grupo Rural Estadual realizada em junho de 2007, com a emissão de nove Autos de Infração. “As mesmas irregularidades, exceto uma delas (realização de pausas), foram constatadas e autuadas na inspeção atual. Constam também no Livro diversas inspeções por auditor da Gerência Regional do Trabalho e Emprego de Ribeirão Preto, com autuações reiteradas por não recolhimento de FGTS, infração pela qual a usina foi novamente autuada”.

Segundo os fiscais, os trabalhadores eram dividos entre os da “indústria” e os “rurais”e recebiam tratamento diferenciado. Os ônibus que transportam os empregados na indústria são muito melhores que os dos trabalhadores rurais, por exemplo. Os trabalhadores rurais também recebem em cheque (sem tempo para descontá-lo em horário bancário) e não em depósito bancário (conta salário), como os industriais. Com isso, são obrigados a trocar os cheques no comércio, que cobra uma “taxa de serviço”, causando perdas salariais.

Enquanto canavieiros comiam marmitas frias em condições inadequadas empregados do setor industrial recebem alimentação da usina


Na frente de plantio de cana, “enquanto os operadores de máquina recebiam alimentação quente (almoço) trazida por uma van do restaurante da usina, os plantadores de cana, na mesma frente, se alimentavam em marmitas já frias, de alimentos trazidos de casa, elaborados na noite anterior ou por volta de 4 ou 5 horas daquela manhã”, relataram os fiscais.

Pontos de vista
Em março de 2007, o então presidente Luis Inácio Lula da Silva, fez uma declaração bombástica: “Os usineiros de cana, que há dez anos eram tidos como se fossem os bandidos do agronegócio neste país, estão virando heróis nacionais e mundiais, porque todo mundo está de olho no álcool. E por quê? Porque têm políticas sérias”. À época, as palavras de Lula foram recebidas com incredulidade por muitos.  

O caso específico da usina Santa Rita apresenta detalhes curiosos nesse sentido. Em 2003, por exemplo, o proprietário da empresa, Nélson Affif Cury, foi preso pela policia de Araraquara, acusado de fraudar o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em pelo menos R$ 69 milhões. 

Em fevereiro deste ano, a Justiça Federal voltou a condenar Affif a dois anos e oito meses de reclusão pelo não recolhimento, aos cofres públicos, das contribuições previdenciárias descontadas de pagamentos de seus empregados. A denúncia contra Affif, feita pelo Ministério Público Federal (MPF), incluía o filho e sócio do usineiro, Marcelo Zacharias Affif Cury; o MPF deve recorrer da decisão inicial da Justiça de excluí-lo da condenação. (Curiosidade: Desde 2007, Marcelo responde a um processo criminal em que é acusado pelo disparo de tiros que resultaram na morte de duas pessoas e no ferimento de uma terceira em um bar de Ribeirão Preto (SP); em janeiro deste ano, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que o caso deve ser levado a júri popular).

Tanque de veneno
De modo geral, avalia o auditor fiscal Antonio Avancini, o comportamento do setor sucroalcooleiro não mudou muito nos últimos tempos, no que tange o tratamento dispensado aos trabalhadores e o respeito à legislação trabalhista. “Não tenho números exatos, mas o passivo trabalhista atual da usina Santa Rita passa dos R$ 25 milhões. Enquanto isso, os usineiros estão muito bem. Têm helicóptero, barco... o patrimônio vai muito bem”.

Imagem aérea da sede principal da Usina Santa Rita. Propriedade é uma das maiores do município de Santa Rita do Passa Quatro Clique para ver no Wikimapia


Segundo Avancini, apesar dos avanços tecnológicos e da mecanização na cana, “na ponta, no campo, o trabalho continua precarizado. A jornada de trabalho continua exaustiva; operadores de colheitadeiras trabalham 12 horas em São Paulo, de dia e de noite, sem descanso. Em Goiás, a fiscalização flagrou uma usina cujos motoristas trabalharam 24 horas ininterruptamente”. “E veja”, prossegue Avancini, “o desdém da diretoria da Santa Rita foi tanto que não apareceu ninguém para receber os autos de infração. Não se importam mesmo, não é?”. 

No dia da inspeção, assim que a equipe de fiscalização chegou à frente de aplicação de agrotóxicos de um dos canaviais da usina, observou um trator que rebocava uma carreta com um tanque de veneno. “A empresa ‘adaptou’ um banco sobre o tanque e dois trabalhadores eram transportados ali”, relatam os fiscais. Afora a ameaça à saúde e à integridade física dos trabalhadores, os auditores se doeram com algo que, ao que parece, nunca preocupou os usineiros: conforto. E isso lhes valeu mais uma autuação “por realizar o transporte de trabalhadores em veículo adaptado que não possuía assentos revestidos de espuma, com encosto e cinto de segurança”.

Trabalhadores eram transportados em cima do tanque de veneno, em um banco adaptado sem cintos de segurança ou qualquer mecanismo de proteção

 

 

Fonte: Verena Glass/ Reporter Brasil

 

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