A Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Organização Não-Governamental (ONG) Rede Social de Justiça e Direitos Humanos divulgaram, recentemente, o relatório “Os impactos da produção de cana no Cerrado e na Amazônia”. De acordo com o documento, nos últimos dois anos a área de plantação de cana-de-açúcar cresceu de 4,5 milhões para sete milhões de hectares. Desta plantação, 70% da cana colhida será destinada à produção do etanol, enquanto os outros 30% para a produção de açúcar. Atualmente, são produzidos cerca de 18 bilhões de litros de etanol e a previsão é de se chegar a 28 bilhões em 2010. Diante dos números, o relatório traz uma crítica contundente à prioridade dada pelo governo federal à produção de etanol. Para as organizações, “o Brasil baseia suas políticas nas necessidades dos países centrais e de grandes empresas transnacionais, em detrimento do bem estar de sua população”. Assim, o país disponibiliza suas terras para produzir combustível para os carros de todo mundo, porém, se esquece de que “a energia primordial que a humanidade necessita para sua sobrevivência é gerada pelos alimentos”.
O relatório ainda aponta impactos que a política de incentivo ao etanol tem trazido ao meio ambiente, como a devastação da Mata Atlântica e do Cerrado, além da pressão sobre a Amazônia, onde o papel de usinas sucroalcooleiras é legalizar a grilagem de terras.
Para trazer mais informações sobre o tema, a Radioagência NP entrevistou a coordenadora da Rede Social, Maria Luisa Mendonça.
Radioagência NP: Porque vocês afirmam ser falsa a propaganda do etanol como uma energia limpa?
Maria Mendonça: A partir do momento que se expande o monocultivo da cana para produção do etanol nas regiões de Cerrado e também pressionando a fronteira agrícola da Amazônia, os efeitos são devastadores. Não é verdade que esse cultivo se dá em áreas degradas como diz o governo, na verdade ele está substituindo áreas de lavoura, está destruindo mata nativa. O monocultivo tem efeito de destruição da biodiversidade, poluição das fontes de água. A queima da cana causa poluição ambiental e problemas graves de saúde pública e há sérios problemas de violação de direitos humanos.
RNP: De que problemas você fala?
M.M.: Estamos vendo todo tipo de violação de direitos trabalhistas, trabalho escravo, morte de trabalhadores por exaustão, a situação é realmente desumana. Nas últimas décadas o ritmo de exploração acelerou. Na década de 80 e 90, a meta de cada trabalhador era cortar seis a oito toneladas de cana por dia. Atualmente em São Paulo, essa meta chega a 15 toneladas ou mais. Inclusive em São Paulo, que é a região mais mecanizada, o nível de exploração é maior. Existe um maior nível de mecanização, portanto, os trabalhadores têm que seguir o ritmo das máquinas.
RNP: E o que faz com que essas pessoas se submetam a esta situação?
M.M.: Nas Regiões Sudeste e Centro-Oeste essa expansão [da cana] se dá principalmente por meio do arrendamento de terra de pequenos e médios produtores, que deixam de produzir alimentos. E a partir do momento que a população rural perde seus meios de subsistência, ela vai se tornar mão de obra barata, abundante e, portanto, de fácil exploração. E a contração de uma forma geral é feita de forma ilegal, por meio dos intermediários, o transporte desses trabalhadores é feito de forma ilegal.
RNP: E quanto a Amazônia, a cana tem avançado?
M.M.: O Cerrado é a região prioritária de expansão. Mas, já existe cana na Amazônia, o governo nega, mas existe. Os governos estaduais da região da Amazônia Legal apoiam as usinas com incentivos fiscais e, inclusive, eles dizem que o Lula falou besteira quando disse que a cana não é apropriada para a Amazônia, que na realidade a produtividade é igual a de São Paulo. Então, existe toda uma pressão por parte das empresas e dos governos estaduais para implantar e expandir esse setor.
RNP: Como você avalia a prioridade dada pelo Brasil para a indústria do etanol?
M.M.: A indústria está baseada na ilegalidade. Eles não cumprem as leis trabalhistas, não cumprem as leis ambientais e é isso que eles chamam de eficiência, mostram para o mundo como sendo um setor eficiente e moderno. A gente ainda vive um processo colonial, de depredação dos nossos recursos naturais, nossos recursos estratégicos, não para o interesse do povo brasileiro, mas para servir a interesses externos.
Fonte: Radioagencia NP
Entrevista - A devastação da cana
- Detalhes
- Categoria: Código Florestal
