Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

\"\"Mato Grosso ocupa o segundo lugar em concentração de terra entre todos os estados do país, conforme cartilha sobre limite da propriedade rural no Brasil, lançada pelo Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo. Mais de 8.428 propriedades estão acima dos 35 módulos fiscais, teto proposto pelo Fórum. Isso significa que 69% das áreas estão concentrados em latifúndios acima de 3.500 hectares. Isto quer dizer que teríamos quase 50 milhões de hectares para Reforma Agrária em Mato Grosso.

"O módulo fiscal é uma referência, estabelecida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que define a área mínina suficiente para prover o sustento e a vida digna de uma família de trabalhadores e trabalhadoras rurais".

Mato Grosso do Sul ocupa o primeiro lugar em concentração de terra, com 75% das propriedades rurais acima do limite compreendido como justo.

Esses dados denotam o tamanho da desigualdade agrária nos dois estados, que, até 1977, eram um só.

Para Gilberto Portes, secretário executivo do Fórum, "os dois Matos são a simbologia do latifúndio no país". Revelar isso com clareza para a sociedade mato-grossense é de extrema importância. "Eu tenho a certeza de que muitas pessoas não se dão conta desse disparate, mas agora vão saber".

Portes é um dos elaboradores da cartilha.

Ele se refere às meias verdades divulgadas nacionalmente sobre Mato Grosso, como eldorado para todos nós. "Não é bem assim. O que há é concentração de terras e de riquezas nas mãos de alguns. E a exploração da mão de obra no campo. Se há desenvolvimento econômico, isso favorece a quem? Basta verificar o índice de desenvolvimento humano, para saber que na verdade Mato grosso é um estado pobre. Onde está o desenvolvimento social? Além disso, esse latifúndio ainda é uma ameaça ao meio ambiente".

Se por um lado a terra está concentrada nas mãos de poucos latifundiários, de outro lado mais de 100 mil famílias esperam por um lote em Mato Grosso, de acordo com estimativa do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). Uma parte dessas famílias - homens, mulheres e crianças - está neste momento em beiras de estrada ou em propriedades ocupadas, vivendo de incertezas, sob barracas de lona preta, sem condições mínimas, lamenta Antônio Carneiro, da coordenação estadual do MST.

Para Inácio Werner, do Centro Burnier Fé e Justiça (CBFJ), essa concentração de terra gera desigualdade social, impossibilita outro modelo de agricultura familiar, não resolve o problema da fome e ainda favorece o trabalho escravo. "Historicamente o latifúndio é que mantém essa prática", afirma Werner, que representa o CBFJ no Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo (Foete).

"Essa situação é gritante e vergonhosa para o país", denuncia Ademir Antônio Montovani, agente da Comissão Pastoral da terra (CPT) em Mato Grosso. Na visão dele, um agravante da concentração de terra é a criminalização dos movimentos camponeses e a violência no campo.

Indígenas e quilombolas também são atingidos por esse problema. Os índios porque vivem em reservas cercadas pelas grandes propriedades rurais, que a todo tempo pressionam para empurrar as cercas e reduzir as áreas garantidas para as etnias. Os quilombolas, porque defendem o direito de ocupar territórios onde viveram seus antepassados, vítimas da escravatura. Sempre que reclamam seus direitos, aparecem como problemáticos.

A cartilha foi publicada para revelar a realidade agrária no Brasil e para fomentar o debate popular sobre o limite da propriedade rural. Um plebiscito será realizado de 1 a 7 de setembro, por meio do qual o povo brasileiro irá responder quanto de terra alguém pode concentrar.

Plebiscito é um questionamento popular, democrático, e serve para orientar regras e leis.

A resposta do povo poderá abrir caminhos para a criação de um Projeto de Emenda Parlamentar (PEC) ao Artigo quinto da Constituição Federal que trata da propriedade, inclusive a rural (item XXIII).

O plebiscito vai, portanto, trazer essa discussão sobre terra para a semana da Independência do Brasil, que culmina com o Grito dos Excluídos, caminhada na qual os movimentos sociais mostram que o país ainda tem muito o que fazer para ser de fato livre e em favor da soberania nacional.

Na avaliação de Gilberto Portes, antes de mais nada é preciso conscientizar a população para depois levar essa matéria ao parlamento. "Sabemos que a bancada ruralistas no Congresso Nacional tem cerca de 350 deputados federais. Se é assim, sem pressão popular, jamais conseguiremos aprovar uma PEC. Mas o projeto Ficha Limpa vem nos inspirar e mostrar que, se o clamor vem do povo, podemos sim provocar transformações. E vamos trabalhar para isso. O que não podemos aceitar mais é essa posição do Brasil: segundo país em concentração de terra do mundo (perde só para o Uruguai)."

Além de debates e do plebiscito, um abaixo-assinado já está correndo em todo o país e em mais de 20 municípios de Mato Grosso.

A idéia, com tudo isso, é dar visibilidade à realidade agrária brasileira, coisa que os meios de comunicação não têm dado conta de fazer.

Na visão da jornalista Mayrá Lima, do Intervozes Brasil de Comunicação, "assim como o parlamento, a mídia burguesa também tem alianças econômicas com o agronegócio. Sabemos que alguns grupos de comunicação defendem os interesses de uma classe e acreditam inclusive que a reforma agrária é assunto superado, como se isso não fosse resolver problemas sociais do campo e da cidade".

Esta não é uma luta fácil. "A concentração da propriedade no Brasil remonta à época do descobrimento, quando os portugueses aqui aportaram e se declaram senhores de tudo, desconhecendo as populações existentes", diz trecho da cartilha.

Censo Agropecuário do IBGE, 2006, mostra que esse domínio existe até hoje. Um pequeno número de fazendas (0,91% de todas) ocupa a maior parte do solo nacional (44,42%). Enquanto a maioria das propriedades (2.477.071) são muito pequenas e ficam limitadas a 2.36% do território nacional.

Esses dados fazem lembrar a música de Chico Buarque, "Funeral de um Lavrador" (1966), que diz - "(...) É de bom tamanho nem largo nem fundo. É a parte que te cabe deste latifúndio (...)"- já que nessa mesma terra negada ao povo seremos todos enterrados. A música foi composta para a peça Morte e Vida Severina (1954-55), de João Cabral de Melo Neto. VEJA VÍDEO - http://www.youtube.com/watch?v=gGLDaE01PdA&feature=related.

 

 

Fonte: Assessoria de Imprensa do Centro Burnier Fé e Justiça (DRT-MT 610)

 

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