Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

O agricultor posseiro Severino Amaro herdou do seu pai o sítio Riachão, local em que vive desde que nasceu. Em 2020, decidiu entrar na justiça para solicitar o reconhecimento de sua propriedade, por meio da usucapião. A juíza titular da Comarca de Maraial (PE) concedeu ao agricultor liminar de manutenção de posse até que fosse julgado procedente seu pedido de usucapião. Contudo, o TJPE reformulou a decisão e determinou a reintegração de posse contra o camponês. A decisão é um grave contrassenso jurídico e provocou indignação à família e às entidades que acompanham o caso, como a CPT e a FETAPE. A área está localizada na comunidade de Batateiras, em Maraial, Zona da Mata Sul de Pernambuco. 

 

O mandado foi expedido nesta sexta-feira, 02, pelo juiz Thiago Felipe Sampaio, que substitui a titular da Comarca de Maraial, e pode ser executado a qualquer momento, mesmo diante do estado de calamidade pública decorrente da pandemia da Covid-19. A família do agricultor não tem para onde ir.

A decisão seguiu a ordem do desembargador Stênio José de Sousa Neiva Coêlho, do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE). O desembargador revogou a medida cautelar de manutenção de posse concedida em primeira instância ao agricultor. Na mesma decisão, foi além e determinou a saída do camponês da área, sem que o pedido de usucapião chegasse sequer à etapa de instrução. 

Mariana Vidal, assessora jurídica da CPT, alerta que a medida representa grave contrassenso jurídico. “Neste recurso, o Tribunal deveria se restringir a manter ou não a tutela cautelar de manutenção de posse concedida ao agricultor pela juíza de primeiro grau. Revogar tal decisão significaria tão somente retirar a proteção anteriormente concedida a ele, mas não significaria determinar a retirada forçada do agricultor do local. Tal determinação extrapola os limites da decisão”, explica. Um eventual despejo nestas circunstâncias violaria direitos constitucionais e legais garantidos àqueles/as que possuem posse de mais de um ano e um dia.

A comunidade do Engenho Batateiras, onde reside Severino, é formada por famílias agricultoras posseiras, algumas das quais aguardam na justiça o reconhecimento do direito de propriedade. Desde junho de 2020, Severino e outros agricultores e agricultoras da localidade alegam viver em constante tensão, com ameaças de expulsão, de morte, intimidações, agressões físicas e destruições de pertences atribuídas à empresa IC Consultoria em Empreendimentos Imobiliários, realizadas com o intuito de expulsá-los do local em que vivem há gerações.

O caso se tornou um dos conflitos agrários mais graves do estado no ano de 2020, segundo levantamento do Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da CPT. Sete pessoas da comunidade relataram terem sofrido ameaças de morte. A Pastoral e a FETAPE acompanham o conflito e receberam com indignação a notícia da reintegração de posse. “Em favor de um empresário, o Poder Judiciário quer, em plena pandemia, retirar de Severino a única coisa que ele tem para sobreviver, o seu local de moraria e de trabalho, o sítio herdado do seu pai e onde vive desde que nasceu. O Poder Judiciário, neste caso, não faz justiça”, ressalta Geovani Leão, agente pastoral da CPT.

Determinação do desembargador contraria iniciativa de mediação do TJPE

Em meio à pandemia, a batalha judicial e as violências contra as famílias posseiras foram amplamente discutidas com secretarias e órgãos do Governo de Pernambuco. A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos/as Deputados/as, em Brasília, e as Comissões de Agricultura e de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) chegaram a manifestar preocupação com o caso, solicitando a implementação de medidas imediatas para conter a violência no local e garantir a permanência das famílias na área. Em fevereiro de 2021, o encaminhamento dado pelo Governo do estado e pelo Poder Judiciário foi deslocar os processos judiciais para o Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec - TPJE) a fim de encontrar soluções pacíficas para a disputa pela terra. A reintegração de posse determinada pelo desembargador Stênio Neiva, contudo, contraria as mediações em curso. A CPT entrou em contato com o Nupemec, mas, até a publicação desta matéria, o Núcleo ainda não havia se posicionado quanto à decisão judicial.

 

 

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